Cegos temem trotinetes “desenfreadas” nas cidades: “Muitos já evitam sair de casa”

As dificuldades sentidas por pessoas cegas ao circularem num passeio público não são de hoje; as trotinetes são apenas o mais recente obstáculo numa longa lista. São “inúmeros” os relatos de acidentes, diz ACAPO.

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O uso “desenfreado e sem civismo” de trotinetes fez aumentar o medo de usar o espaço público nas pessoas cegas Nuno Ferreira Santos

O uso “desenfreado e sem civismo” de trotinetes fez aumentar o medo de usar o espaço público nas pessoas cegas, agudizando o sentimento de isolamento de quem não vê, denunciou esta terça-feira a Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (APACO). “O medo de ter acidentes, de se magoarem, de tropeçarem numa trotinete mal parada leva a que muitos evitem sair de casa”, disse à Lusa o presidente da associação, Rodrigo Santos.

As dificuldades sentidas por pessoas cegas ao circularem num passeio público não são de hoje; as trotinetes são apenas o mais recente obstáculo numa longa lista. “É o carro parado só cinco minutos, é a carrinha de caixa aberta que só está a fazer uma descarga, é a mota estacionada em cima do passeio”, enumerou o responsável.

“O que acontece a muitos invisuais é que quando a bengala se apercebe da trotinete já está demasiado perto e o choque já não é evitável”, explicou Rodrigo Santos, até porque é um veículo silencioso. “O medo que isto aconteça leva a que muitos invisuais deixem de circular no espaço público”, lamentou.

Em muitos municípios, o uso de trotinetes está regulamentando, como acontece, por exemplo, no Porto, onde o regulamento dos Serviços de Partilha em Modos Suaves de Transporte da Câmara Municipal estipula que é “proibida a circulação de veículos de serviços de partilha em arruamentos pedonais, praças, jardins urbanos e passeios”, mas são diários os relatos de desrespeito pela lei.

“Infelizmente, chegam-nos vários relatos de trotinetes a circular nos passeios, em velocidades de automobilismo, em corridas. É muito giro para os turistas mas perigoso para um peão, ainda mais para um invisual. O problema não está na trotinete, mas no uso desenfreado e sem civismo de quem a usa”, salientou.

Rodrigo Santos explicou que “são inúmeros” os acidentes relatados pelos associados da ACAPO: “São várias as mazelas físicas de encontrões, atropelamentos, quedas. E depois há a questão das bengalas que ficam partidas e isso para um invisual é ficar duplamente impedido de ver”, chamou a atenção.

Além das trotinetes a circular, à ACAPO chega outra queixa, a das trotinetes mal estacionadas: “É ver junto dos interface de transportes públicos, seja no Cais do Sodré, no Oriente, em Lisboa, seja na Trindade ou em S. Bento, no Porto, as inúmeras trotinetes abandonadas, amontoadas e espalhadas. É em passadeiras, é junto às paragens.” “Vai além da imaginação”, enumerou. Na zona histórica de Lisboa, as coimas por estacionamento irregular podem chegar aos 300 euros.

Segundo o responsável, o mau uso de trotinetes e o desrespeito pelas leis de circulação daquele veículo têm consequências “além das físicas” e “até mais graves”. “O medo de ter acidentes, de se magoarem, de tropeçarem numa trotinete mal parada leva a que muitos invisuais evitem sair de casa”, denunciou. “O que é que isto provoca? Aumenta o sentimento de solidão, isolamento, de falta de integração na vida das cidades. São mazelas que vão muito além das físicas.”