Imprensa do Irão elogia agressor de Rushdie: “Beijemos a mão daquele que rasgou o pescoço do inimigo”
Governo de Teerão ainda não reagiu oficialmente ao ataque ao escritor de Os Versículos Satânicos, sobre quem pende uma fatwa lançada por Ali Khomeini em 1989 e que pede a sua morte. Salman Rushdie pode perder um olho e foi esfaqueado no fígado. Respira com ajuda de ventilador.
O Irão, cujo líder em 1989 publicou uma fatwa contra o escritor Salman Rushdie e depois a reforçou em 2005, ainda não reagiu publicamente ao ataque perpetrado sobre o autor de Os Versículos Satânicos. Mas o mais importante jornal ultraconservador iraniano, o Kayhan, elogia este sábado Hadi Matar, o atacante de Rushdie, como “um homem valente e consciente do dever”.
No Kayhan, citado pelo diário espanhol El País e pela agência de notícias AFP (a edição em inglês mais recente do diário, disponível online, não contém ainda as declarações de apoio ao atacante), lê-se este sábado: “Bravo a este homem valente e consciente do dever que atacou o apóstata e vicioso Salman Rushdie”. O director do diário iraniano é nomeado directamente pelo ayatollah Ali Khamenei, o mesmo que em 2005 reinstalou a fatwa contra o escritor.
“Beijemos a mão daquele que rasgou o pescoço do inimigo de Deus com uma faca”, lê-se ainda no Kayhan. Já no diário estatal Asr Iran, “o pescoço do diabo” foi “golpeado por uma navalha”, cita a agência de notícias francesa AFP. Já o diário Khorasan titula a sua edição de sábado declarando: “Diabo a caminho do inferno”.
O analista político iraniano e professor da Universidade de Teerão Mohammad Marandi, escreveu no Twitter: “Não derramarei lágrimas por um escritor que denuncia o seu infinito ódio e desprezo pelos muçulmanos e pelo Islão”.
Salman Rushdie, cujo estado nas últimas horas é ainda desconhecido muito pelo fuso horário norte-americano (ainda é noite à hora de publicação desta noticia), foi atacado em palco na sexta-feira quando se preparava para iniciar um discurso no centro cultural Chautauqua Institution, no estado de Nova Iorque. Um homem de 24 anos oriundo de Fairview (Nova Jérsia) identificado pelas autoridades como Hadi Matar subiu ao palco e esfaqueou várias vezes o autor antes de membros da assistência, da organização e polícias à paisana conseguirem intervir.
Ainda sexta-feira, foi submetido a uma cirurgia e segundo o seu agente, o poderoso Andrew Wylie, “quase de certeza que Salman vai perder um olho”; os golpes cortaram-lhe “nervos num dos braços” e causaram “danos sérios no fígado”. Respira com ajuda de ventilador.
Hadi Matar foi detido logo após o ataque e também ainda não são conhecidas as suas motivações para uma das agressões públicas mais violentas a um escritor nos EUA. O tablóide nova-iorquino New York Post cita fontes policiais que dizem que Matar seria simpatizante do governo iraniano, o mesmo que mantém em vigor o decreto que pede a morte de Rushdie e oferece três milhões de dólares pelo assassinato. As autoridades dizem apenas que tudo indica que Matar agiu sozinho e que ainda não apuraram a razão para cometer o crime. O tipo de acusação de que será alvo depende, entre outros factores, do estado de saúde de Rushdie na sequência do ataque.
Uma das pessoas presentes no centro cultural quando se deu o esfaqueamento descreveu ao New York Times o comportamento de Matar mesmo depois de ter sido manietado por várias pessoas no palco. “Foram precisos cinco homens para o afastar [de Rushdie] e ele ainda estava a [tentar] esfaquear”, disse Linda Abrams. “Ele estava simplesmente furioso, furioso. Intensamente forte e muito rápido.”
O poder da fatwa que dura há mais de 30 anos já se fez sentir no passado. Em Julho de 1991, o tradutor japonês de Os Versículos Satânicos, foi apunhalado até à morte e o seu tradutor italiano, Ettore Capriolo, foi também atacado e sofreu ferimentos graves. William Nygaard, o editor do romance na Noruega, foi atingido a tiro três vezes saída de sua casa em Oslo e ficou também ferido com gravidade. Nas últimas horas, manifestou a sua solidariedade, à semelhança de muitos outros escritores, intelectuais, jornalistas ou figuras públicas após o ataque, com Rushdie.
“Rushdie pagou um preço elevado. É um autor de grande proeminência que tanto significa para a literatura, e tinha encontrado uma boa vida nos EUA”, rematou.
Este sábado, juntando-se à reacção política da Casa Branca ou do primeiro-ministro do Reino Unido, o seu homólogo francês, Emmanuel Macron, considerou que Rushdie foi vítima de um ataque cobarde pelas forças do ódio e da barbárie”.
Notícia actualizada às 13h51 com descrição de testemunhas no local do ataque e tipo de acusação pendente