Zaporijjia: a vasta central nuclear que está no centro da guerra

A central nuclear de Zaporijjia tem seis reactores refrigerados e controlados com água. Esta é a maior central nuclear da Europa e uma das maiores do mundo. Que central é esta? Que risco correm os reactores nucleares?

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Um soldado com a bandeira russa no uniforme à entrada da central nuclear de Zaporíjjia Reuters/ALEXANDER ERMOCHENKO

A central nuclear de Zaporijjia, no Sul da Ucrânia, foi atacada nos últimos dias, tornando real a possibilidade de um grave acidente a apenas 500 quilómetros do local do pior acidente nuclear do mundo: o desastre de Tchernobil, em 1986.

Nesta quinta-feira, 11 de Agosto, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, apelou tanto à Rússia como à Ucrânia para cessarem todos os combates perto da central, após se registarem novos bombardeamentos nesse dia.

Que central nuclear é esta?

A central nuclear de Zaporijjia tem seis reactores VVER-1000/V-320 de concepção soviética, refrigerados com recurso a água, e que contêm urânio 235, com uma vida útil de, em média, mais de 700 milhões de anos.

Esta é a maior central nuclear da Europa e uma das maiores do mundo. A sua construção começou em 1980 e o sexto reactor foi ligado à rede em 1995. A 22 de Julho deste ano, apenas dois dos reactores estavam em funcionamento, de acordo com a Agência de Energia Nuclear (AEN).

Qual o maior risco para os reactores?

O maior risco para os reactores é uma queda no abastecimento de água. A água pressurizada é utilizada para retirar calor do reactor e abrandar os neutrões, de forma a permitir que o urânio 235 continue a sua reacção em cadeia.

Se houver um corte na água e os sistemas auxiliares como geradores a diesel não conseguirem manter o reactor frio devido a um ataque, então a reacção nuclear abranda, mas o reactor aquece muito rapidamente.

Ao atingir temperaturas tão elevadas, o hidrogénio pode ser libertado do revestimento de zircónio que existe e o reactor pode começar a derreter. No entanto, os peritos dizem que o edifício onde estão os reactores foi concebido para conter a radiação e suportar grandes impactos, o que significa que o risco de grandes fugas é baixo.

“Não acredito que haja uma elevada probabilidade de ruptura do edifício de contenção, mesmo que seja acidentalmente atingido por um explosivo. E acho ainda menos provável que o próprio reactor possa ficar danificado com o ataque. Isto significa que o material radioactivo está bem protegido”, afirmou Mark Wenman, especialista em Materiais Nucleares no Imperial College, em Londres.

E o combustível desperdiçado?

Para além dos reactores, existe também um local de armazenamento de combustível usado e piscinas de combustível usado no local onde se encontra cada reactor. Estes locais são utilizados para arrefecer o combustível nuclear usado.

“As bacias de combustível usado são apenas grandes piscinas com barras de combustível de urânio – são muito quentes, dependendo de há quanto tempo estão lá”, explica Kate Brown, historiadora ambiental do Instituto de Tecnologia de Massachusetts​, cujo livro Manual for Survival documenta a escala completa do desastre de Tchernobil.

“Se não for posta água fria, então a água irá evaporar-se. Quando a água se evaporar, o revestimento de zircónio irá aquecer e pode incendiar-se e aí teremos uma situação má, um incêndio de urânio irradiado, que é muito semelhante à situação de Tchernobil, e que liberta todo um complexo de isótopos radioactivos.”

Foi uma emissão de hidrogénio de uma piscina de combustível usado que causou uma explosão no reactor 4 no desastre nuclear de Fukushima, no Japão, em 2011.

De acordo com um documento ucraniano de 2017 apresentado à Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), houve 3354 conjuntos de combustível usado nas instalações de combustível usado e cerca de 1984 conjuntos de combustível usado nas piscinas. Isto representa um total de mais de 2200 toneladas de material nuclear, excluindo os reactores, de acordo com o documento.

Quem controla a central?

A central de Zaporijjia está sob controlo russo desde Março. Os técnicos ucranianos que lá trabalhavam durante a invasão foram obrigados a continuar em funções, mas Moscovo enviou os próprios peritos nucleares para acompanhar o seu trabalho. Moscovo acusa Kiev de orquestrar os ataques recentes para reconquistar o controlo das instalações nucleares.

Que ataques se registaram até agora?

Entre 5 e 7 de Agosto a central foi alvo de ataques sucessivos: Kiev culpa Moscovo, Moscovo culpa Kiev. Os bombardeamentos de sexta-feira 5 de Agosto atingiram uma linha de alta tensão na central e não foi detectada qualquer fuga de radiação. Os de sábado terão danificado três sensores de radiação e ferido um técnico ucraniano.

Depois dos ataques no domingo dia 7, Moscovo voltou a acusar as forças da Ucrânia, o que Kiev nega. O Ministério da Defesa russo disse que os bombardeamentos atingiram uma linha eléctrica de alta tensão que fornece electricidade às regiões de Zaporijjia​ e Kherson.

Nesta quinta-feira dia 11, registaram-se novos bombardeamentos. Kiev afirma que a central foi atacada cinco vezes, mas Moscovo afirma que foram apenas duas.