Cientistas estudam planos de emergência para proteger populações dos incêndios florestais
Projecto na Universidade de Coimbra quer criar um sistema de apoio à tomada de decisão por parte das entidades responsáveis pela protecção das comunidades em risco em caso de incêndio rural.
A “altamente complexa” missão de decidir quando e como retirar as pessoas em risco em caso de incêndio florestal, que implica múltiplos factores, está a ser estudada por cientistas da Universidade de Coimbra, no âmbito do projecto Evacuar Floresta – Decisões e Planos de Evacuação em Cenários de Incêndio Florestal.
O projecto em curso na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) pretende “estudar novos planos de emergência para as comunidades, considerando os mais diversos cenários”. Conta com a colaboração da Escola Nacional de Bombeiros e do Centro de Inovação e Competências da Floresta.
O objectivo principal é criar um sistema de apoio à tomada de decisão por parte das entidades competentes “para a protecção da comunidade em risco em caso de incêndio rural e ainda mitigar problemas no contexto de uma evacuação”, explicou Aldina Santiago, coordenadora do estudo e docente da FCTUC, numa nota de imprensa.
“Para os incêndios urbanos já existem planos de evacuação desenvolvidos, mas o mesmo não acontece nos incêndios florestais”, enfatizou Aldina Santiago.
Actualmente, “aquilo que existe como suporte à tomada de decisão é muito reduzido em termos técnicos e científicos e depende em muito da sensibilidade do comandante no teatro das operações”, sustentou a investigadora da Universidade de Coimbra. “Muitas das vezes, esta escolha é criticada, ou porque é feita de forma muito antecipada ou porque é feita de forma tardia”, argumentou.
O projecto conta com cerca de 270 mil euros de financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Visa apoiar as entidades governamentais e locais na protecção das pessoas envolvidas, criando indicações específicas sobre a forma e mecanismos a utilizar para proteger e tornar mais resiliente cada uma das comunidades, face às suas particularidades e desenvolvimento do incêndio, diz o comunicado de imprensa.
A protecção das pessoas de uma determinada comunidade tem de ser pensada e discutida muito antes dos incêndios. “As possíveis soluções têm de estar acauteladas através de planos de emergência e evacuação; a evacuação parcial ou, em casos extremos, total, é uma dessas soluções, mas não é a única”, defendeu Aldina Santiago.
A primeira fase do projecto – iniciada no Verão de 2021 e se estende até 2023 – concentra-se “na caracterização e estudo do que já existe, no que respeita a estratégias associadas à protecção das pessoas em cenário de incêndio rural”, explicou, não só em Portugal, mas também em Espanha, Itália, Grécia, Austrália e Estados Unidos (Califórnia).
“Se antigamente a política era ‘ficar em casa e esperar’, actualmente começa a optar-se por evacuações preventivas”, disse a investigadora.
“Portugal começa também a seguir esta estratégia, ou seja, nos últimos anos, a estratégia de protecção tem-se vindo a alterar, em resultado do paradigma dos incêndios actuais (incêndios de grandes proporções e que facilmente se propagam à interface urbano-florestal”, acrescentou.
Lousã e Sertã
Por outro lado, a equipa de investigadores tem efectuado trabalho no terreno, junto de comunidades nos municípios da Lousã (Coimbra) e Sertã (Castelo Branco). “Estas escolhas não foram aleatórias, foram consideradas as suas especificidades”, disse.
Dando o exemplo do concelho da Lousã, Aldina Santiago revelou que foram escolhidas as localidades de Cerdeira e Cabanões, esta última uma aldeia “isolada, de difícil acesso, com uma população reduzida (menos de 25 pessoas), envelhecida e com algumas limitações de mobilidade”. A povoação, que dista sensivelmente um quilómetro da Estrada Nacional 342 (via de ligação entre a Lousã e Góis, e de onde parte uma única rua que termina na aldeia), chegou a ser evacuada nos incêndios de Outubro de 2017.
Já Cerdeira, que faz parte da rede de Aldeias do Xisto e se localiza na Serra da Lousã, a cerca de 1,5 quilómetros da Estrada Nacional 236, de ligação a Castanheira de Pera e à sede do município, “é uma localidade com componente turística significativa, com uma população muito variável, tanto ao longo da semana, como ao longo do ano”.
“É difícil saber quantas pessoas e onde estão nesta localidade e na sua envolvente; esta incerteza é sem dúvida um dos factores que dificulta a protecção destas pessoas em caso de incêndio”, sublinhou Aldina Santiago.
Em paralelo, os cientistas estão a trabalhar em modelos “que permitem simular a propagação do incêndio e a evacuação das pessoas”, recorrendo a métodos numéricos avançados.
“Esperamos vir brevemente a simular os incêndios ocorridos nas últimas semanas em Portugal. Cruzando resultados, conseguimos estudar o impacto de possíveis soluções, possíveis alternativas para protecção”, esclareceu Aldina Santiago. A investigadora notou que os sistemas de modelação e simulação de evacuação “são ferramentas essenciais para planeamento e tomada de decisão”.
“Durante a evacuação e o incêndio, o comportamento das pessoas também é um factor determinante (...), sendo a educação da população para esta temática igualmente determinante para o sucesso deste processo”, frisou.