Directora da Amnistia da Ucrânia demite-se após relatório que critica Kiev
Amnistia acusa os militares ucranianos de colocarem a vida de civis em risco ao usarem infra-estruturas civis, como escolas, durante o conflito. Oksana Pokalchuk diz que tentou dissuadir a organização de publicar o relatório tal como foi publicado.
A directora-executiva da Amnistia Internacional (AI) da Ucrânia demitiu-se esta sexta-feira depois de a organização acusar os militares ucranianos de colocarem a vida de civis em risco ao utilizarem infra-estruturas civis, como escolas, durante o conflito. Oksana Pokalchuk escreveu que tentou dissuadir a organização de publicar o relatório tal como foi publicado.
“As forças ucranianas colocaram civis em perigo, estabelecendo bases e operando sistemas de armas em áreas residenciais povoadas, incluindo em escolas e hospitais”, escreve a AI no relatório. “Tais tácticas violam o direito humanitário internacional e põem em perigo os civis, uma vez que transformam objectos civis em alvos militares”, diz a organização não-governamental (ONG), que ressalva que essas “violações não justificam de maneira alguma os ataques indiscriminados russos, que mataram e feriram inúmeros civis”.
O relatório foi amplamente criticado pela Ucrânia e comunidade internacional e utilizado pela Rússia para reiterar que as tropas estão apenas a atingir alvos militares na Ucrânia.
O ministro da Defesa, Oleksii Reznikov, considerou o documento uma “perversão”, tendo em conta que não corresponde à verdade e acusou a ONG de participar na campanha de desinformação e propaganda russa.
Directora-executiva critica AI
Numa declaração no Facebook, Oksana Pokalchuk escreveu que tentou dissuadir a Amnistia de publicar o relatório tal como foi publicado.
“Esta é mais uma perda que a guerra me trouxe... Tudo bateu contra o muro da burocracia e uma barreira linguística surda... Se não vive num país ocupado por invasores que o estão a desfazer em pedaços, provavelmente não compreende o que é condenar um exército de defensores”, lê-se na publicação da antiga directora-executiva da ONG na Ucrânia.
Pokalchuk acrescentou: “Desde o início da agressão em larga escala, não deixámos de enfatizar as violações dos direitos humanos e do direito humanitário internacional cometidas pela Rússia, país agressor. Documentámos minuciosamente estas violações, e elas constituirão a base de numerosos procedimentos legais e ajudarão a levar os responsáveis à justiça”.
A ucraniana, que pertenceu à AI durante sete anos, afirma que o relatório não poderia “deixar de conter informações sobre o outro lado da guerra, sobre o país que a iniciou”.
“A organização elaborou material que soou como sendo de apoio às narrativas russas. Com o objectivo de proteger os civis, a investigação tornou-se, em vez disso, um instrumento de propaganda russa... Nos últimos dias, eu e os meus colegas temos feito um trabalho de esclarecimento dentro da organização. Falei com representantes da Amnistia de dezenas de países e tenho falado com a direcção, que, infelizmente, nesta situação não tomou as medidas adequadas para proteger os interesses das pessoas para as quais a organização trabalha”, escreveu.
Amnistia rejeita acusações
Na quinta-feira, no seu habitual discurso nocturno em vídeo, o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, acusou a Amnistia de “selectividade imoral” que ajuda um Estado “terrorista” a “transferir” responsabilidades e a retratar a vítima como agressor.
“A agressão contra o nosso Estado foi não provocada, foi invasiva e abertamente terrorista. E se alguém fizer um relatório em que a vítima e o agressor são supostamente são iguais em alguma coisa, se algum dado sobre a vítima for analisado e o que o agressor estava a fazer naquele momento for ignorado, isso não pode ser tolerado”, afirmou, acrescentando que nenhuma condição justifica qualquer ataque russo.
Apesar das acusações, a secretária-geral da Amnistia Internacional, Agnès Callamard, declarou, na sexta-feira, que a organização mantém plenamente as conclusões do relatório, acrescentando que existem provas “obtidas durante investigações de grande amplitude” que sustentam que a Ucrânia violou o direito internacional humanitário.
Numa mensagem dirigida à agência AFP, a responsável lamentou ainda a reacção da Ucrânia “que se arrisca a paralisar uma discussão legítima e importante destas questões” sobre a protecção de civis e revelou que Kiev não respondeu a um pedido de comentário antes de o relatório ser publicado.
A secretária-geral rejeitou também as acusações das autoridades ucranianas sobre a alegada cooperação com a Rússia, recordando que a Amnistia condena a invasão do Kremlin. Acrescentou que as acções militares das tropas ucranianas “não justificam em nada as violações sistemáticas do direito internacional pela Rússia”, mas sinalizou que denunciará as violações do país invadido sempre que as observar.
“Ignorar as violações cometidas por uma parte privilegiada em relação a outra não devem constituir uma forma de abordar a questão dos direitos humanos”, afirmou.