Governo mantém “norma-travão” do diploma das horas extras nas urgências
Secretária de Estado da Saúde sublinha que há mais 23% de médicos especialistas agora no SNS do que em 2019. E que, assim, não serão necessárias tantas horas extraordinárias nas urgências.
O Ministério da Saúde vai manter a ‘norma-travão’ no decreto-lei que veio estabelecer um regime excepcional de pagamento das horas extraordinárias dos médicos que façam urgências e que foi muito contestada pelos administradores hospitalares. O diploma, que entrou em vigor esta terça-feira, refere que os gastos com prestações de serviço e horas extras médicas a realizar até 31 de Janeiro de 2023 não podem exceder os montantes pagos no segundo semestre de 2019, corrigidos dos encargos decorrentes das actualizações salariais anuais. No segundo semestre de 2019, as duas rubricas custaram ao SNS 140 milhões de euros.
Foi esta referência que levou os administradores hospitalares a afirmar que a aplicabilidade do diploma fica em causa, já que o número de horas extras nos últimos anos aumentou e o valor a pagar agora será superior. O novo regime prevê o pagamento até valores máximos de 50 a 70 euros por hora, de acordo com as horas extraordinárias já realizadas este ano por cada médico. Mas o Ministério da Saúde tem um entendimento diferente e mantém o diploma como está, apesar de a porta ficar aberta para possíveis ajustamentos no futuro.
“Não estamos a admitir rever o diploma, acabou de entrar em vigor. É necessário que possa produzir efeitos para podermos ter a monitorização da sua eficácia. A referência a 2019 trata-se de uma referência de boa gestão financeira, estamos a comparar períodos homólogos”, explicou a secretária de Estado da Saúde Maria de Fátima Fonseca, lembrando que 2019 foi o último ano anterior à pandemia, numa conferência de imprensa convocada esta quinta-feira para esclarecer a situação. Os gastos a realizar correspondem ao somatório dos custos com prestações e horas extras do segundo semestre de 2019.
Mas como poderão os hospitais pagar valores mais elevados com o mesmo dinheiro se agora as necessidades são superiores, até por causa da recuperação do que ficou por fazer durante a pandemia? “Cada serviço irá aplicar o diploma em função das suas circunstâncias concretas” e cada um “encontrará na sua latitude de gestão a resposta, avaliando as necessidades operacionais efectivas”, acredita a governante, notando que, entre Dezembro de 2019 e Maio deste ano, houve um aumento de 23% de médicos especialistas no SNS. “Existindo mais meios, também existem mais horas afectas aos serviços de urgência, não necessariamente em trabalho suplementar.”
Mas já está marcado para hoje um encontro por videoconferência entre a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e as administrações dos vários hospitais, além das administrações regionais de saúde, para esclarecer todas as dúvidas.
Questionada sobre como seriam pagas as horas extras realizadas que excedam o valor disponível, a secretária de EStado respondeu que “apenas nos casos em que exista disponibilidade orçamental o trabalho [suplementar] será realizado” e que “os conselhos de administração farão uma aplicação conscienciosa e responsável das regras” definidas no decreto-lei.
Prestações de serviço são “último recurso"
O diploma também faz referência às prestações de serviço, permitindo que em casos em que o encerramento da urgência esteja em causa os hospitais possam chegar aos valores pagos aos médicos do quadro. Isto não limita a ideia de preços fixos? Maria de Fátima Fonseca garantiu que o que fica consagrado “não é um regime aberto” e enfatizou que a prestação de serviço “é uma solução de último recurso”.
Quando esta solução for imprescindível, explicou, “o valor máximo por hora não pode exceder o valor hora mais elevado da remuneração base prevista no diploma aplicado aos trabalhadores do mapa de pessoal que são cerca de 30 euros por hora”. “Mas em situações de manifesta necessidade”, como em locais “com carências muito específicas”, os gestores podem “autorizar um valor hora mais avultado, que se enquadra para os valores hora definido para os trabalhadores do mapa de pessoal”.
Ainda antes da conferência de imprensa, Diogo Ayres de Campos, o coordenador da comissão nomeada para encontrar soluções para mitigar a crise dos serviços de urgência de ginecologia e obstetrícia, que têm sido os mais afectados pela falta de médicos, dizia ao PÚBLICO que os governantes iam esclarecer a situação no encontro com os jornalistas. “Têm que dizer de forma muito clara o que vão pagar”, frisou.
Mas a conferência de imprensa “não foi nada esclarecedora”, lamentou mais tarde outro membro da mesma comissão. Um dos objectivos do novo regime remuneratório, que foi definido para durar apenas seis meses, era o de ajudar a resolver os problemas conjunturais já neste Verão.
Foi, aliás, pela urgência de encontrar formas de contornar o problema da falta de médicos que este decreto-lei foi aprovado em Conselho de Ministros, promulgado pelo Presidente da República e publicado em Diário da República em tempo recorde.
Quando a ministra da Saúde anunciou o novo regime, no final do Conselho de Ministros extraordinário na semana passada, explicou que o objectivo era criar condições para “a estabilização” das equipas médicas das urgências hospitalares, uniformizando os valores pagos aos médicos do quadro do pessoal e aos prestadores de serviços, de maneira a pôr fim à actual “iniquidade”.
Marta Temido frisou que os conselhos de administração dos hospitais do SNS passariam a ter autonomia, não só para fixar os valores a pagar, mas também para celebrar contratos de trabalho sem termo com médicos especialistas que actualmente trabalham à tarefa. Anunciou ainda que estava previsto o pagamento de ajudas de custo aos médicos que aceitassem deslocar-se de uma instituição para outra, se a distância entre estas fosse superior a 30 quilómetros ou ficassem localizadas em concelhos diferentes.