Birmânia vai mesmo ser julgada pelo genocídio dos rohingya

Tribunal Internacional de Justiça rejeitou objecções do país e vai começar a analisar provas, o que pode demorar anos. Refugiados e sobreviventes pedem celeridade.

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Muitos milhares de rohingya foram forçados a fugir do país e a procurar refúgio no vizinho Bangladesh Luis Octavio Costa/PÚBLICO

O Tribunal Internacional de Justiça decidiu que vai continuar a analisar um processo contra a Birmânia pelo alegado genocídio da minoria rohingya no país. Os juízes rejeitaram esta sexta-feira as objecções birmanesas que procuravam enterrar o caso à nascença, seguindo-se agora a apresentação e estudo das provas.

O processo foi apresentado ao tribunal em Novembro de 2019 pela Gâmbia em nome da Organização para a Cooperação Islâmica, mas a Birmânia objectou, em Janeiro de 2021, que aquele país não tinha legitimidade para o fazer. A juiz-presidente disse esta sexta-feira que, sendo subscritora da Convenção do Genocídio, a Gâmbia, assim como todos os outros países aderentes, podem e devem combater o genocídio.

“Estas objecções não passaram de uma táctica dilatória e é desapontante que o tribunal tenha demorado um ano e meio a tomar esta decisão”, disse à Al-Jazeera o presidente da organização de defesa rohingya Tun Khin, alertando que “o genocídio continua e é fundamental que o tribunal não permita mais atrasos”.

À porta do Palácio da Paz, em Haia, onde funciona este órgão judicial das Nações Unidas responsável pelo julgamento de Estados, estavam alguns manifestantes com um cartaz que pedia “rapidez” na apreciação do caso: “Os sobreviventes do genocídio não podem esperar durante gerações”.

A ONU determinou em 2018 que a campanha militar contra os rohingya, nos dois anos anteriores, equivaleu a uma limpeza étnica com “intenção genocida”. Milhares de pessoas foram assassinadas, houve violações maciças e mais de 750 mil membros desta minoria muçulmana fugiram do país.

Quem governava a Birmânia nesse período era Aung San Suu Kyi, vencedora de um Prémio Nobel da Paz, que chegou a apresentar-se pessoalmente em Haia para defender o país da acusação de genocídio. Suu Kyi seria deposta por um golpe militar em Fevereiro do ano passado e foi entretanto condenada a quatro anos de prisão.

Um porta-voz da junta militar que manda na Birmânia disse à Reuters que o país fará “o máximo” para proteger os seus “interesses nacionais” neste e noutros processos.

Além deste, também o Tribunal Penal Internacional (que julga indivíduos e não os Estados) tem um inquérito a decorrer e o procurador Karim Khan deslocou-se ao Bangladesh em Março para falar com os muitos refugiados rohingya que lá se encontram. Também há processos a decorrer em tribunais da Argentina e da Turquia.

A actual liderança militar da Birmânia tem sido acusada de violação sistemática dos direitos humanos e de empregar tácticas de guerra contra os seus próprios cidadãos. A BBC divulgou esta semana os relatos de seis soldados desertores que dizem ter recebido ordens para pilhar, torturar e matar civis indiscriminadamente.

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