EGEAC: nomeação ou concessão?
Foram anos duríssimos para a cultura, para quem nela trabalha e para o próprio público. Mas isso pouco importa ao executivo dos “Novos Tempos”, para quem a cidade pertence a quem puder pagar mais.
Diz-se nos meios culturais e artísticos que a cultura é sempre o parente pobre – seja pela precariedade, pela falta de reconhecimento do trabalho e de algumas profissões, ou pelo subfinanciamento crónico. Continuamos longe dos 1% do Orçamento do Estado para uma atividade cultural digna.
Teria graça, se não fosse trágico, que o executivo de Carlos Moedas tenha escolhido para presidir a Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural (EGEAC) Pedro Moreira, antigo diretor de marketing e visitor attractions da Associação de Turismo de Lisboa (ATL), autor de frases tão (infelizmente) memoráveis como “os turistas são o nosso petróleo e nunca serão demais”.
O executivo fez uma escolha consciente: retirar a EGEAC aos Lisboetas e entregá-la a uma gestão para inglês – ou não, desde que seja turista – ver. No fundo, é mais um passo no histórico de concessões à Associação de Turismo Lisboa: primeiro o Arco da Rua Augusta, depois o Torreão Nascente, o Pátio da Galé, o Pavilhão Carlos Lopes e a Estufa Fria. Como se essas não bastassem, concessiona agora a própria EGEAC à ATL.
Foram anos duríssimos para a cultura, para quem nela trabalha, para a rentabilidade dos equipamentos – salas fechadas ou a meio gás durante mais de um ano, limitações, etc. – e para o próprio público. Mas isso pouco importa ao executivo dos “Novos Tempos”, para quem a cidade pertence a quem puder pagar mais. À sua imagem, Moedas entrega a cultura da cidade a quem privilegia o turista como meta do produto cultural. Moreira refere-se à cultura popular com a arrogância de quem distingue “popular” de “popularucho”, considera o aumento da compra de casas por estrangeiros uma coisa “óptima” e conta que as reuniões com os representantes dos bairros das Marchas Populares eram “um horror” que conseguiu apaziguar.
O Bloco sempre foi crítico das más práticas na EGEAC, como carga horária excessiva ou outsourcing. Reconhecemos, na gestão de Joana Gomes Cardoso, decisões importantes como a realização da exposição Visões do Império, composta por fotografias sobre leis e práticas de discriminação política, social, económica e cultural que romperam com a hipocrisia que esconde a iniquidade e a violência da colonização. A importância desta apresentação no Padrão dos Descobrimentos, um monumento que o Estado Novo ergueu para louvar o colonialismo, mostra que há um caminho que deve ser prosseguido na política cultural nacional e local. Perante isto, o que podemos esperar de Pedro Moreira, que integrou a Comissão dos Descobrimentos, a não ser o retorno à velha romantização das “descobertas” e a lavagem da violência praticada contra os povos invadidos?
De referir também, como mais um elemento desta tragédia que nunca chegará a comédia, a escolha de Susana Graça para vogal do Conselho de Administração da EGEAC, recordando o momento em que foi diretora-geral das Artes por 24 horas, o tempo que se demorou a perceber que Graça tinha um processo contra a própria Direção Geral das Artes.
Há muito que se percebeu que Carlos Moedas desistiu de governar para quem vive e trabalha em Lisboa para se dedicar aos turistas e aos especuladores, aos hubs e aos nomads.
Mas a Cultura resistirá, como sempre fez, mesmo que nos queiram privatizar e vender ao maior licitador. Afinal, é essa a nossa função, é essa a nossa natureza.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico