Segurança Social ignorou regras e bloqueou prestações sociais de imigrantes, alerta Provedora de Justiça

Governo publicou decreto a estender prazos de validade de autorizações de residência e a determinar que documentos com pedidos feitos no SEF valiam para ter acesso a direitos sociais. Mas a Segurança Social ignorou essa regra e negou acesso a prestações sociais a imigrantes. Situações já foram corrigidas, diz Instituto de Segurança Social.

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Estrangeiros estão a ficar sem prestações sociais Nuno Ferreira Monteiro

Amina, estrangeira, pediu ao Instituto de Segurança Social um abono pré-natal em Fevereiro deste ano. Como o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) tem atrasos nos processamentos dos pedidos de autorização de residência, Amina ainda só tem o documento que atesta que já pediu ao sistema a chamada manifestação de interesse, para a qual são exigidos de antemão determinados requisitos como ter um contrato de trabalho ou estar a descontar para a Segurança Social.

Esse mesmo documento de Amina data de Março de 2020 e os serviços da Segurança Social que a atenderam decidiram que não seria válido, ignorando que há um despacho do Governo (de Março de 2020 e que foi prolongado) que determina que pelo menos até Dezembro de 2022 os pedidos como o dela, que se enquadram no dito despacho, são válidos. Ou seja, por causa da decisão da Segurança Social, a cidadã não recebeu o abono.

Já Marius, que estava a receber o Rendimento Social de Inserção (RSI), viu a sua prestação suspensa em Janeiro deste ano porque o Instituto de Segurança Social (ISS) considerou que a sua autorização de residência tinha expirado em Setembro de 2021, só que de acordo com o despacho governamental o seu documento ainda estava dentro da validade.

Estes são dois exemplos de dois estrangeiros (com nomes fictícios) dados pela Provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, num documento enviado ao ISS, em que sublinha o “desconhecimento de procedimentos que urge colmatar” e refere que não estão a ser consideradas as regras excepcionais em vigor sobre a regularidade da permanência de imigrantes em Portugal, “bloqueando assim o acesso a diversas prestações sociais”.

Segundo Maria Lúcia Amaral não são casos isolados: a provedoria tem recebido diversas queixas sobre as dificuldades encontradas por imigrantes no ISS porque os serviços desconhecem as regras excepcionais que o Governo adoptou por causa da pandemia, nomeadamente quanto à validade das autorizações de residência. Este despacho tinha como um dos objectivos justamente a garantia de acesso às prestações sociais de apoio pelos imigrantes e prolongava a validade dos documentos que expiravam bem como considerava que os pedidos feitos no SEF serviam para ter acesso aos direitos sociais.

A provedoria recorda que os documentos e vistos com data de validade expirada continuam a ser aceites até 31 de Dezembro de 2022 (tal como definido pelo decreto-lei sobre as medidas excepcionais por causa da covid) e, depois dessa data, desde que o seu portador tenha provas de que já foi feito o agendamento da sua renovação. “O comprovativo do agendamento ou o recibo do pedido efectuado atestam a regularidade da permanência em território nacional”, refere.

Dificuldade de agendamento no SEF

Nesse ofício a provedora lembra a dificuldade de agendamento nos serviços do SEF por causa da falta de vagas e exemplifica: “neste momento, estão a ser agendados casos em que as respectivas manifestações de interesse foram aceites em Setembro de 2020.”

Alerta, assim, para a necessidade “imperiosa” da “revisão dos procedimentos adoptados pelos serviços, tendo em vista evitar a suspensão de prestações sociais ou o seu indeferimento sem averiguação prévia da possível aplicabilidade de normas de salvaguarda quanto à regularidade da permanência dos cidadãos em território nacional”.

A provedora sugere que, no “estrito cumprimento dos ditames da unidade da ordem jurídica estadual”, sejam aceites os documentos e os comprovativos do agendamento de autorização de residência que estejam de acordo com o despacho do Governo, de modo a assegurar que sejam concedidos ou mantidos os benefícios sociais. “Assinala-se ainda a importância de estreita articulação com o SEF”, e o conhecimento dos seus procedimentos para assegurar os interesses dos cidadãos, escreve no documento.

Os trabalhadores estrangeiros representam 10% das contribuições para a Segurança Social. Os dados mostram que em 2020 a Segurança Social lucrou mais de 802 milhões com as contribuições dos estrangeiros - e em dez anos lucrou 5,2 mil milhões.

Questionado sobre que medidas iria tomar, o Instituto da Segurança Social disse “que as situações em causa foram identificadas e corrigidas”.

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