Nove associações pedem que se estudem alternativas para aeroporto de Lisboa quanto antes
Associações dizem que “a sociedade civil como um todo não tem sido tida em conta” na decisão de um novo aeroporto para a região de Lisboa. Decisão de Pedro Nuno Santos de avançar para Montijo e Alcochete acabou revogada e organizações defendem que as localizações possíveis só devem ficar definidas no final da avaliação ambiental estratégica.
Nove associações de ambiente juntaram-se na manhã desta terça-feira no Terreiro do Paço, em Lisboa, para pedir que comece o mais rapidamente possível o processo de Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) do plano aeroportuário para a região de Lisboa. O objectivo deste processo é “comparar sobretudo o impacto ambiental de diferentes localizações e fases de desenvolvimento em vez de avaliar o impacto ambiental de um projecto específico”, explica a associação Zero ao PÚBLICO. Os representantes das associações consideram que “não se deve perder mais tempo”.
“As alternativas a comparar deverão resultar do próprio processo de elaboração da AAE (especificamente da sua fase de Definição de Âmbito), como é tecnicamente correcto, e não serem definidas previamente”, alertam ainda as associações num comunicado emitido após a conferência de imprensa. Deste grupo fazem parte as associações Almargem, ANP
WWF, A Rocha, Fapas, GEOTA, LPN, Quercus, SPEA e Zero.
É um processo que pode demorar entre 12 a 15 meses, o que é “perfeitamente razoável”, afirmou Domingos Leitão, director da SPEA, durante a conferência de imprensa desta manhã. Não é moroso, diz, e “permite ganhar tempo, fundamento e capacidade de decisão”. O presidente da Zero, Francisco Ferreira, acrescentou: “É possível ter uma decisão até final de 2023.” E diz que esta avaliação já tem sido pedida pelas associações desde Janeiro de 2018 e que, desde aí, esta “obrigação legal não teve efeitos até agora”.
“Tem de existir uma avaliação ambiental estratégica séria, transparente e com uma comissão independente que faça avaliação de todos os locais que foram definidos no âmbito dessa avaliação”, resume o presidente do GEOTA, João Dias Coelho, no final da conferência de imprensa. “Não é só sobre o ambiente, mas também sobre as acessibilidades e a ligação à ferrovia, a perigosidade da localização, os custos económicos e de contexto. Tudo isso tem de ser ponderado, não é para se resolver de um dia para o outro”, argumenta.
Montijo é “uma aberração” ambiental
Estas associações não-governamentais de ambiente (ONGA) também se coligaram para impugnar judicialmente a validade da Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) sobre o projecto de aeroporto no Montijo. Isto porque foi feita sem que certos critérios estivessem “actualizados e adequadamente quantificados”, nomeadamente no impacto na avifauna e no clima, explica o activista Acácio Pires, da associação Zero. Ainda assim, existem “muitas outras dúvidas sobre a qualidade da informação disponível”.
“Para nós, o Montijo é uma opção que não se coloca, é uma não-opção a todos os níveis”, afirma ao PÚBLICO a vice-presidente da Quercus, Marta Leandro, no final da conferência. Para ter um aeroporto, “o Montijo é uma aberração absoluta do ponto de vista ambiental e de biodiversidade e em termos de segurança”. Diz que não deveria haver um “aumento da capacidade aeroportuária actual” e que deveria haver um complemento da ferrovia, tanto quanto possível.
O aeroporto actual de Lisboa “é um problema de saúde pública gravíssimo, tem um impacto muito grande na qualidade de vida de milhares de cidadãos no concelho de Lisboa e no concelho de Loures por causa do ruído e da qualidade do ar” e é também um risco em termos de segurança aeronáutica por estar tão perto da civilização, diz Marta Leandro. “É quase como ter uma mina de carvão a céu aberto junto à cidade.”
No procedimento da AAE, que é obrigatório por lei, há três pilares essenciais: “deve ser atribuído a uma entidade pública, independente e tecnicamente credível”; deve “ter o interesse público como pilar essencial do processo”; e deve “ser participado e transparente desde o seu início”. Daí resultará uma avaliação que permite aos decisores políticos tomarem uma “decisão fundamentada, juridicamente segura, ambientalmente responsável e salvaguardando o interesse público”. Estas organizações defendem que devem ser ouvidas na fase inicial do processo e acreditam que “a sociedade civil como um todo não tem sido tida em conta”.
O objectivo é que as orientações resultantes desta avaliação sejam depois “submetidas à discussão pública e que os cidadãos se pronunciem, porque não é só a classe política que tem aqui de tomar decisão”, diz João Dias Coelho. E porque é que tal ainda não foi feito? “Há muito ruído e há muitos grupos de pressão”, resume o presidente do GEOTA. “Não há locais geniais que perfazem tudo, agora escolhemos certamente aquele que menos danos cria ao ambiente e que mais promove a economia nacional. É isso que pretendemos.”
Apostar na ferrovia
Para que o processo comece quanto antes, as associações propõem já uma série de “factores críticos de decisão”, como a conservação da natureza e biodiversidade, o ordenamento do território, a segurança e capacidade das operações de tráfego aéreo, a saúde pública (quanto à qualidade do ar e do ruído, por exemplo) ou as acessibilidades e sistema de transportes terrestres. Além destes factores, as organizações defendem que devem também “ser considerados limites de exclusão”, a partir dos quais uma possível localização para um aeroporto deixa de ser considerada.
E, assim, defendem que “a utilização da base aérea do Montijo como aeroporto complementar ou principal é inviável dos pontos de vista da segurança aeronáutica, ambiental, da protecção da biodiversidade e da saúde pública”. E dizem ser imperativo “articular o plano aeroportuário para a região de Lisboa com o plano ferroviário nacional”.
As nove associações defendem ainda que a “manutenção do actual aeroporto Humberto Delgado é incompatível com o cumprimento da legislação nacional e comunitária sobre ruído” e que a sua expansão “torna o problema mais grave em vez de o resolver”. Além disso, é importante que “qualquer solução aeroportuária para a região de Lisboa deve estar fortemente conectada com as redes ferroviárias metropolitana, regional, nacional e internacional”.
“Gostávamos que deslocações até 600 quilómetros fossem feitas pela ferrovia, até porque sabemos que grande parte das ligações são Lisboa-Porto e Lisboa-Madrid”, afirmou ainda a vice-presidente da Quercus, Marta Leandro. Mas “não se vê a velocidade necessária e a vontade política em relação à ferrovia”.
No final de Junho, o ministro das Infra-estruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, esteve por detrás de uma decisão polémica sobre o futuro aeroporto de Lisboa: um despacho do ministério que tutela anunciava a decisão de se avançar com um aeroporto no Montijo a curto prazo e em Alcochete como solução a longo prazo. A decisão punha um ponto final no processo de AAE e não tinha acordo com o PSD, como anteriormente tinha sido proposto. O despacho acabou por ser revogado, como tinha determinado o primeiro-ministro, António Costa.
Esta conferência de imprensa surge agora num momento em que a discussão pública para se ter uma decisão definitiva se “intensificou e foi conduzida de forma errada, comparando-se localizações, em vez de nos focarmos no debate sobre os critérios que devem presidir a uma decisão”, explica a Zero. As associações anunciaram ainda que serão feitos pedidos de audiência ao Presidente da República, ao primeiro-ministro e também ao PSD, assim como enviada uma nota sobre a urgência desta avaliação ambiental a todos os grupos parlamentares.