Metade da Europa vive uma seca grave com consequências na produção de energia
Relatório do Centro de Investigação Comum da União Europeia diz que as ondas de calor potenciaram a seca, que pode causar uma diminuição das colheitas. Portugal será dos países mais afectados.
Uma grande parte do território da União Europeia e do Reino Unido está no segundo nível de seca mais grave (44%) ou no primeiro (9%) do indicador combinado de seca do Observatório Europeu da Seca do Centro de Investigação Comum da União Europeia. Isto está associado a um défice de água no solo e vegetação em stress hídrico, o que levará a uma redução nas colheitas em vários países, diz o relatório de Julho.
A seca hidrológica aumentou na Península Ibérica, França, Roménia, Alemanha ocidental e várias regiões do Mediterrâneo, incluindo o Sul e Centro de Itália, o Sul da Grécia, Croácia e a Bósnia-Herzegovina. Zonas já afectadas pela seca na Primavera, como o Norte de Itália, o Sudeste de França e algumas áreas da Roménia e da Hungria, estão em condições semelhantes ou ainda pior, diz o relatório.
Na origem da seca está o défice de precipitação no Inverno e Primavera, que foi só cerca de 19% da média de 1991-2020 nas áreas consideradas sobre “aviso” de seca do indicador combinado de seca do Observatório Europeu da Seca (o segundo nível mais grave) e 22% nas áreas sob “alerta” (o mais grave).
O efeito da falta de precipitação foi ampliado por várias ondas de calor a partir de Maio, causadas por “condições anticiclónicas anómalas sobre a maior parte da Europa Ocidental e Central”, diz o relatório. Este fenómeno não se limitou a afectar o continente europeu: “As anomalias de pressões altas e baixas na Europa parecem fazer parte de um padrão global que pode ter afectado simultaneamente outras regiões da Ásia e da América do Norte”, dizem os cientistas do Centro de Investigação Comum da União Europeia.
A falta de precipitação fez com que se reduzisse de forma significativa a quantidade de água no solo. Até mesmo a Península da Escandinávia está em condições de extrema secura do solo. Tornou-se mais difícil para as plantas extrair água do solo, o que generalizou uma situação de stress nas plantas, medida através de uma redução da actividade da fotossíntese – por exemplo em Portugal e no Norte de Espanha, nas planícies italianas, no Sul, Centro e Oeste de França, no Centro da Alemanha e Leste da Hungria, diz um comunicado de imprensa sobre este relatório.
Barragens em níveis baixos
A pressão do calor em excesso conjugada com a seca provocou uma diminuição nas estimativas de várias colheitas, agravando o que já era uma perspectiva negativa – de valores abaixo da média dos últimos cinco anos – para vários cereais e outras culturas. Portugal, Espanha, França, Roménia e Itália são os países em que esta redução das colheitas será mais pronunciada. Alemanha, Polónia, Hungria, Eslovénia e Croácia também sentirão algum impacto. A maior federação agrícola italiana, a Coldiretti, estima que as perdas na agricultura no país, até ao momento, cheguem a três mil milhões de euros. A Direcção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural da Comissão Europeia tinha já estimado, no início de Julho, que a “produção de cereais será 2,5% mais baixa do que em 2021”.
O fluxo dos rios em muitos países e também a armazenagem de água nas barragens foram afectados de forma significativa, obrigando à tomada de medidas extraordinárias de gestão da água e da energia, salienta o comunicado de imprensa.
Em Itália, a bacia do rio Pó está a viver uma seca classificada no nível mais elevado de gravidade, que inclui uma intrusão salina a partir do delta do rio. Foi declarada emergência por causa da seca em cinco regiões italianas, onde vivem 42% da população e é responsável por 51% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
Foram reduzidas ou mesmo paradas as actividades de produção de energia em várias centrais hidroeléctricas italianas, sobretudo no Norte, onde se localiza a maior parte da capacidade instalada: o potencial energético das reservas de água é cerca de metade do verificado na região durante os anos mais recentes e abaixo dos níveis históricos (1970-2019), diz o relatório. A produção de energia nas centrais hidroeléctricas italianas no início de Julho era 5039 gigawatts-hora (GWh) mais baixa do que a média de 2015-2021 dos países europeus, diz o comunicado de imprensa.
Em Portugal, a energia hidroeléctrica armazenada nos reservatórios de água está também a cerca de metade (menos 52%) do que foi nos últimos sete anos e obrigou à imposição de restrições ao consumo e suspensão da produção de electricidade. A produção de energia está 2244 GWh abaixo da média de 2015-2021 da maioria dos países europeus. Na primeira metade do ano, a produção hídrica (incluindo bombagem, ou seja, a água que é reaproveitada em centrais reversíveis) foi de 2706 gigawatts-hora GWh, ou pouco mais que os 2568 GWh produzidos só no mês de Fevereiro de 2021, segundo números divulgados pela REN já este mês.
Em Espanha, os volumes de água armazenados estão cerca de 31% abaixo da média dos últimos dez anos. A mesma diminuição na produção de energia hidroeléctrica está a afectar outros países ainda, como Noruega, Roménia, Montenegro e Bulgária. “O baixo nível dos reservatórios das hidroeléctricas europeias pode exacerbar a situação actual dos mercados de energia europeus, onde já se estão a verificar preços recordes”, salienta o relatório.
Tendências até Setembro
O relatório inclui ainda um mapa que mostra graficamente a estimativa de evolução das condições excepcionalmente secas ou húmidas até Setembro, baseando-se em modelos do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas de Médio Prazo. O que mostra é que no Minho e na Galiza a seca tem tendência a agravar-se, bem como em França, Alemanha, parte da Europa Central e Sul do Reino Unido e Irlanda. Em Portugal, a faixa litoral Norte até Lisboa tem tendência para que permaneça o aviso de condições mais secas do que o habitual. Mas em Itália, por exemplo, a tendência é a possibilidade de mais chuva do que o costume.
Isto não deve, no entanto, ser lido como um mapa da recuperação da seca, explicou Andrea Toreti, cientista do Centro de Investigação Comum da União Europeia e principal autor do relatório. “O mapa não pode ser interpretado pixel a pixel, é mais uma tendência espacial”, frisou.
Até ao Outono, muita coisa pode ainda mudar. “É ainda incerto quais as regiões que continuarão a sofrer [até ao fim do Verão] com o défice de precipitação. Outros modelos prevêem que a ‘região de seca’ se desloque ao longo do Mediterrâneo”, sublinhou Andrea Toreti.