- Em directo. Siga os últimos desenvolvimentos sobre a guerra na Ucrânia
- Guia visual: mapas, vídeos e imagens que explicam a guerra
- Especial: Guerra na Ucrânia
Face à ameaça iminente do corte do fornecimento de gás russo à Europa, a Comissão Europeia está a preparar um documento com propostas para reduzir o consumo de gás natural para que não falte no Inverno, que será apresentado na quarta-feira, 20 de Julho. Mas do que foi já dado a conhecer, a Comissão mostra-se disposta a relaxar o controlo das emissões de gases com efeitos de estufa, ao incentivar o uso de outros combustíveis mais contaminantes, como o carvão.
Uma primeira versão do documento que começou a circular no fim da semana passada, citada pelo jornal espanhol El País, sublinha “a provável deterioração do fornecimento” de gás à Europa pela Rússia, e defende a necessidade de que “esse risco seja antecipado e que a União Europeia se prepare com um espírito de solidariedade para a disrupção do gás russo prolongada e, provavelmente, total, que pode acontecer a qualquer momento”.
Se houvesse uma interrupção total do fornecimento de gás russo, a UE poderia ficar aquém da meta de ter as suas reservas a 80% em Novembro, e ficar-se por “65% a 71%”, o que levaria a uma falta de cerca de 20 mil milhões de metros cúbicos de gás durante o Inverno, segundo uma simulação feita pelos Operadores de Sistemas de Transmissão de Gás Europeus (ENTSOG), citada pelo site Euractiv. Isto quer dizer que muitos países europeus correriam o risco de ter as reservas de gás muito baixas, o que tornaria difícil preenchê-las de novo para o próximo ano. Portugal não seria dos mais afectados, porque depende pouco do gás russo, que representou 6% das importações de gás no primeiro trimestre de 2022.
Isto embora o mesmo documento afiance que o sistema de gás natural europeu “mais do que compensou” os 25 mil milhões de metros cúbicos perdidos em importações de gás russo desde o início da invasão da Ucrãnia, com suspensão de vias de fornecimento e reduções de fluxo. Recebeu 35 mil milhões de metros cúbicos de gás natural liquidificado importado de outros países ou proveniente de outros gasodutos.
Ainda nesta segunda-feira, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, faz uma viagem ao Azerbaijão, para negociar o aumento da importação de gás natural e ampliar o gasoduto Transadriático (TAP), que poderia fornecer gás a vários países do Sudeste europeu proveniente do Mar Cáspio. Este gasoduto tem a capacidade potencial de fornecer dez mil milhões de metros cúbicos anuais e o dobro em 2023.
Se a Rússia fechar completamente as torneiras, é preciso substituir os 155 mil milhões de metros cúbicos de gás que antes da guerra fornecia por ano aos países da UE e isso não será feito instantaneamente. Fornecedores alternativos, como os Estados Unidos, o Egipto, o Qatar, a África Ocidental, a Noruega e o Azerbaijão só dentro de um ano conseguiriam fornecer um terço dessa quantidade – segundo contas do comissário europeu do Mercado Interno, Thierry Breton, citadas pelo Le Monde.
Poupar e usar outros combustíveis
Mas além de negociar estas fontes de gás alternativas à Rússia, é preciso pensar noutros combustíveis para o Inverno europeu. Por isso o plano da Comissão Europeia prevê reduzir o consumo de gás ao abrigo do Regulamento da Segurança de Fornecimento de Gás, de 2017, tanto dos grupos protegidos definidos nesta legislação (consumidores e serviços fundamentais) como de grupos não protegidos (indústria).
A Comissão prevê por isso campanhas de poupança do gás dirigidas aos consumidores privados, incluindo baixar os termóstatos um grau e tornar obrigatório que o aquecimento de edifícios públicos e comerciais, bem como de escritórios seja no máximo de 19 graus. Mas poderá haver também medidas dirigidas à indústria, para incentivar a redução do uso de gás natural, substituindo-o por outros combustíveis – cimenteiras ou refinarias poderiam funcionar com petróleo em vez de gás, sem grandes obras de adaptação. Isto permitiria economizar sete a oito mil milhões de metros cúbicos de gás, diz o Le Monde.
Portanto, para economizar gás, a Comissão Europeia propõe um alívio temporário das regras sobre as emissões de gases com efeito de estufa. Apela aos Estados-membros para que analisem as possibilidades de mudar o combustível usado na produção de energia, para evitar usar o gás, o que incluiria carvão e nuclear. “Ainda que a mudança para fontes renováveis de energia seja a principal prioridade, a Comissão aplicará temporiamente toda a flexibilidade disponível na directiva de emissões industriais e na directiva de avaliação do impacto ambiental”, diz o documento, citado pelo El País.
Países como a Alemanha, os Países Baixos, a Áustria e França anunciaram já a intenção de reabrir ou reconverter temporariamente centrais a gás ao uso de carvão neste Inverno. A Bélgica adiou o encerramento de centrais nucleares. “A mudança de combustível terá um impacto na poluição do ar”, reconhece o texto da primeira versão do plano da Comissão para poupar gás. “Mas pode-se poupar uma quantidade significativa de gás.”
O nível de emissões poluentes das centrais de combustão na União Europeia tinha-se reduzido drasticamente nos últimos anos. Entre 2004 e 2020, as emissões de dióxido de enxofre e poeiras destas instalações caíram 91%, segundo dados da Agência Europeia de Ambiente, citados pelo El País. Segundo a mesma fonte, as emissões de óxido de azoto caíram 61%. E as emissões de gases com efeito de estufa sofreram uma queda de 24% desde 1990, segundo dados da Comissão Europeia – e o objectivo é chegar a 55% em 2030.
Que impacto poderia ter a reabertura de algumas centrais a carvão na Europa no objectivo maior da União Europeia de redução das emissões? Um estudo do think tank Ember, divulgado na semana passada, estima que 14 GW de centrais que podem funcionar a carvão estão prontas a serem reutilizadas. “Se fossem utilizadas a 65% da sua capacidade em 2023, o aumento das emissões com efeito de estufa seria de 30 milhões de toneladas de dióxido de carbono, o que representaria 1,3% das emissões totais de CO2 da UE de 2021 e 4% das emissões anuais do sector energético. Portanto, embora fosse preferível evitar um aumento das emissões, esta subida temporária não fará descarrilar os objectivos climáticos a longo prazo da UE”, diz o relatório.
A Comissão Europeia recorda, nesta primeira versão do documento que será apresentado na quarta-feira, que as directivas comunitárias em vigor permitem revogar os limites de emissões das grandes centrais de combustão em caso de uma necessidade imperiosa de fornecimento de electricidade. A norma prevê que essa situação não se prolongue por mais de dez dias. Mas, segundo o El País, a Comissão assinala que, em caso de necessidade, a tolerância se pode prolongar sem data limite.