Sturgeon: independência da Escócia é o único antídoto contra o “défice democrático” britânico

Na apresentação do segundo documento estratégico em defesa da via secessionista, primeira-ministra escocesa afirma que a sucessão de Johnson põe em causa os “valores escoceses” e acusa os trabalhistas de serem uma “pálida imitação” dos conservadores.

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Nicola Sturgeon, primeira-ministra escocesa e líder do SNP Reuters/POOL

“Só a independência pode fortalecer e incutir democracia na Escócia”, defendeu esta quinta-feira Nicola Sturgeon, primeira-ministra da nação mais a Norte do Reino Unido e líder do Partido Nacional Escocês (SNP), na apresentação do segundo documento estratégico em defesa da via secessionista, intitulado Renewing Democracy Through Independence (Renovar a Democracia Através da Independência).

O documento, explicou Sturgeon, argumenta que a independência escocesa vai permitir “construir uma economia mais forte e mais justa”, “proteger o NHS [serviço nacional de saúde] e os serviços públicos”, “combater o custo de vida e garantir que, neste país rico em energia, o custo do aquecimento das nossas casas não atira as pessoas para uma terrível pobreza” e “salvaguardar o clima, os direitos humanos e o nosso lugar no mundo”.

Numa altura em que grande parte do país está focada na corrida à liderança do Partido Conservador e do Governo britânico, e sabendo o SNP que os tories mantêm a sua oposição à realização de um segundo referendo à independência – depois do de 2014 –, Sturgeon insiste, porém, que a discussão sobre o futuro da Escócia “não podia ser mais oportuna”.

“O défice democrático que a Escócia enfrenta não é um fenómeno novo ou recente, mas a sua evidência é hoje seguramente mais gritante do que nunca”, explicou a first minister, citada pelo The Herald.

“Um primeiro-ministro sem a aprovação democrática da Escócia vai ser substituído por outro primeiro-ministro no qual a Escócia não votou – e que, na verdade, nem votaria, mesmo que lhe fosse dada essa oportunidade”, afiançou.

Analisando o perfil dos candidatos ao lugar de Boris Johnson e as promessas que têm feito, Sturgeon acredita que “a mudança do líder tory” vai ser “acompanhada por uma deriva” do Governo britânico “ainda mais para a direita”. “E essa deriva significa um afastamento ainda maior do mainstream das opiniões e dos valores escoceses”, garante.

Este argumento da primeira-ministra assenta no facto de o seu partido, independentista de esquerda, dominar totalmente o território escocês, tendo vencido todas as eleições para os parlamentos de Holyrood (Edimburgo) e de Westminster (Londres) desde 2011 e reforçado ainda mais a sua representação municipal nas eleições locais do passado mês de Maio, sempre com a promessa eleitoral da independência.

“O facto de o povo escocês ter elegido repetidamente uma maioria no parlamento escocês comprometida com um referendo à independência é tratado como algo insignificante. Mas não é preciso ser-se apoiante da independência para se saber que isso não é democracia”, afirmou Sturgeon.

O “Brexit” e o Labour

O evento desta quinta-feira, na Bute House, a residência oficial do chefe do executivo da Escócia, em Edimburgo, acontece dois dias depois de o Governo de Johnson ter apelado ao Supremo Tribunal britânico para recusar o pedido efectuado pelo governo escocês para decidir sobre a legalidade dos seus planos para agendar um novo referendo à independência para o dia 19 de Outubro de 2023.

O Governo conservador considera que o referendo de 2014, no qual venceu o “não” à independência, com 55% dos votos, arrumou o assunto “durante uma geração”, e, por isso, rejeita autorizar nova consulta.

Mas o SNP e outros partidos independentistas – como os Verdes, que fazem parte do governo, ou o Partido Alba – dizem que o “Brexit” trouxe consigo uma “alteração de circunstâncias”, não só porque a maioria dos escoceses (62%) votou contra a saída do Reino Unido da União Europeia no referendo de 2016, mas também porque Johnson e os seus ministros optaram por um divórcio que retirou o país do mercado único e da união aduaneira da UE, algo que, segundo estes partidos, não serve os interesses da Escócia.

As críticas que Nicola Sturgeon dirigiu esta quinta-feira ao Partido Conservador também foram replicadas na direcção do Partido Trabalhista, o maior partido de oposição em Westminster.

“Tão receoso dos ataques dos tories pela direita e tão obcecado em neutralizá-los, em vez de lhes fazer frente, o Labour está a tornar-se uma pálida imitação dos tories, em vez de uma alternativa credível”, censurou.

Acusando o partido de Keir Starmer de “estar a fazer uma parceria com os conservadores para frustrar a vontade do povo escocês”, a primeira-ministra escocesa identifica uma estratégia puramente tacticista dos trabalhistas.

“Para os ajudar a vencer em Inglaterra, a Escócia tem de ficar presa a algo sobre o qual não votou”, criticou. “Isto não tem nada que ver com os interesses dos desejos democráticos da Escócia”.

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