“É toda a arte conceptual que fica protegida”: tribunal dá razão a Maurizio Cattelan
Escultor Daniel Druet reclamava propriedade intelectual de figuras de cera que fez a pedido do artista italiano.
A decisão ainda pode ser alvo de recurso, mas é já um passo rumo a um veredicto que lançou uma questão complexa: quem é o autor de uma obra de arte conceptual — quem a pensa ou quem a executa? O escultor francês Daniel Druet processou a galeria do conceituado artista italiano Maurizio Cattelan em cinco milhões de euros por violação de direitos de autor, reclamando a autoria de algumas figuras de cera de algumas das obras do artista conceptual. Sexta-feira, o Tribunal Judicial de Paris decidiu contra Druet, considerando a sua exigência “inadmissível”, mas pelo facto de se dirigir à Galeria Perrotin e não ao próprio Cattellan.
Trata-se de um litígio inédito no território da arte contemporânea, como situa solenemente o diário francês Le Monde — o mesmo onde em Maio mais de 60 galeristas, directores de museus, coleccionadores ou curadores avisavam que o processo “abria a porta para a desqualificação da arte conceptual”. O grupo defendia mesmo que “a questão da autoria — mesmo a validade — da arte está no âmago desta disputa”.
Daniel Druet, escultor francês, tem 80 anos e argumenta que deveria ter-lhe sido reconhecida autoria de algumas das peças de Maurizio Cattelan, produzidas entre 1999 e 2006 — o site especializado ArtNet fala em nove peças, o Le Monde em oito. Foi pago pelo seu trabalho mas ainda assim avançou com um caso de propriedade intelectual que agora o tribunal parisiense deliberou ser favorável a Cattelan.
O tribunal, citado pelo Le Monde, considerou “indiscutível que as orientações precisas para a montagem das efígies de cera numa configuração específica, nomeadamente no que diz respeito ao seu posicionamento nos espaços expositivos, visam jogar com as emoções do público (surpresa, empatia, diversão, repulsa, etc.)” e que só emanaram de [Maurizio Cattelan] sozinho, não estando Daniel Druet de modo algum em condições – nem mesmo procurando fazê-lo – de arrogar a menor participação nas escolhas relativas ao dispositivo cénico para a montagem das ditas efígies (escolha do edifício e a dimensão das salas que acolhem tal personagem, direcção do olhar, iluminação, até mesmo a destruição de um telhado de vidro ou de um piso em parquet para tornar a encenação mais realista e mais marcante) ou o conteúdo da possível mensagem a ser transmitida através desta encenação”.
Druet terá ainda de pagar 20 mil euros de custas judiciais por ambas as partes – aliás, há uma terceira parte envolvida, o Museu da Moeda de Paris que em 2016 fez uma retrospectiva do trabalho do artista italiano em que constavam peças em que Druet tinha tido intervenção e que não estava creditada.
Perante tais palavras, o diário espanhol El Pais fala mesmo em “alívio para a arte conceptual”. Para o advogado de Cattelan, Pierre-Olivier Sur, o caso faz jurisprudência sobre os limites autorais da arte conceptual. Ou seja, não só a concretização de um objecto, mas a sua instalação, encenação e, no fundo, conceptualização. O jornal espanhol refere ainda a opinião do professor de Direito Pierre-Yves Gaultier, que considera que com esta decisão “é toda a arte conceptual que fica protegida”.
O advogado de Druet considera que, ao descentrar a questão de Cattelan para a galeria e o museu, o veredicto não definiu verdadeiramente a questão da autoria. Jean-Baptiste Bourgeois deixa em aberto se vão recorrer.
Entre as obras no centro desta contenda estão La Nona Ora, em que uma figura do Papa João Paulo II é atingido por um meteorito, ou a conhecida Him, em que Hitler esta ajoelhado a rezar.