Portugal desafiado a pensar mais nas mulheres que consomem drogas

Relatório proposto ao Comité da Convenção para a Eliminação de todas as formas de Discriminação Contra as Mulheres reclama serviços de redução de danos sensíveis ao género e medidas para reduzir violência contra mulheres que usam drogas

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Paulo Pimenta

Embora os resultados globais sejam positivos, o modelo português de descriminalização do uso das drogas ainda negligencia as mulheres, lê-se num relatório sombra intitulado Issues affecting Women who Use Dugs in Portugal, proposto na 82.ª sessão do Comité da Convenção para a Eliminação de todas as formas de Discriminação Contra as Mulheres em Genebra e esta sexta-feira apresentado no Porto.

O documento foi elaborado pela associação CASO – Consumidores Associados Sobrevivem Organizados, pelo GAT – Grupo de Activistas em Tratamento e pela WHRIN – Women and Harm Reduction International Network. Aponta o que está a falhar e propõe soluções.

São escassos os serviços de redução de danos projectados a pensar nas mulheres. Algumas evitam as instalações que existem por serem tão dominadas por homens. Resultado: no universo de portugueses em tratamento por dependência de drogas, a prevalência de VIH é bem maior entre mulheres (16%) do que homens (12%).E, em proporção, mais mulheres do que homens morrem por overdose.

Aquelas organizações pedem ao Comité que inste o Governo a tornar os serviços de redução de danos sensíveis ao género. Sugerem que sejam ajustados, por exemplo, contratando mulheres, flexibilizando o horários de funcionamento, disponibilizando informação específica para mulheres, fornecendo serviços de saúde sexual e reprodutiva e prevenção e gestão de overdose contextualizados para e por mulheres.

O debate está aí. No Plano Nacional para a Redução dos Comportamentos Aditivos e das Dependências 2030, que tem estado em discussão pública, o género passa a ser um dos factores orientadores da intervenção. O primeiro plano de acção traça metas de redução de violência doméstica associada ao consumo de bebidas alcoólicas.

Embora consumir drogas ilícitas não seja crime, vendê-las é. Lembram os autores do relatório que esses mercados operam em “circunstâncias potencialmente violentas”, “particularmente perigosas para as mulheres”. E partir para a denúncia “pode ser muito desencorajador, pois as mulheres que usam drogas são frequentemente percebidas e tratadas como culpadas pela violência que sofreram.”

As autoridades desvalorizam as queixas. As equipas de rua não estão preparadas para lidar com violência de género. As estruturas de atendimento à vítima tendem a excluir estas mulheres. E não há respostas específicas para sobreviventes de violência de género que usam drogas. “A falta de apoio judiciário, habitação e serviços sociais adaptados às experiências e necessidades das mulheres que usam drogas, aliadas ao estigma e à discriminação, fazem com estas raramente tenham acesso aos serviços de assistência após a experiência de violência.”

A vulnerabilidade é muito evidente na gravidez. Há grávidas que “são submetidas a testes involuntários e a tratamentos compulsórios”. Enfrentam “estigma e discriminação nos serviços de maternidade e bem-estar infantil, onde prevalece a ideia de que as mulheres que usam drogas são ‘más mães’”, o que leva a evasão ou atraso no acesso a cuidados pré-natais e apoios à parentalidade.

Os autores do relatório pedem ao Comité que incentive o Governo a “tomar todas as medidas razoáveis para reduzir a discriminação e a violência sistémica contra mulheres que usam drogas”. Isso implica garantir “mecanismos de denúncia não discriminatórios, acessíveis e seguros, acesso equitativo à habitação de emergência e à guarda segura das responsabilidades parentais”.

“As mulheres que usam drogas não devem ser separadas dos filhos simplesmente por isso”, referem. “Uso de drogas não equivale a má parentalidade. Separar as crianças das mães tem revelado ser uma prática prejudicial para todas as pessoas envolvidas. Onde não há evidência de abuso físico ou negligência, o apoio aos pais e à criança serão melhores respostas. A política e a prática devem ser urgentemente reformadas.”

A sociedade não penalizada de igual modo um pai que usa drogas. E não é só aí. Há estudos que mostram que a justiça é mais pesada para elas do que para eles quando se envolvem em crimes de tráfico.

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