Cursos que formam professores têm base “sólida” de linguística, mas inconsistências no ensino da leitura e escrita
O estudo “Como estão a ser preparados os futuros professores para o ensino da leitura e da escrita?” conclui que no que respeita a aprendizagens essenciais, como a consciência fonémica e a relação entre linguagem oral e escrita, as fichas das unidades curriculares estão incompletas, com essas componentes omissas.
Os cursos do ensino superior (público e privado) que formam os futuros professores do primeiro ciclo (do 1.º ao 4.º ano de escolaridade) apresentam fragilidades no que diz respeito aos conhecimentos e competências pedagógicas no ensino-aprendizagem da leitura e da escrita. Por exemplo, o ensino do vocabulário ou da compreensão da leitura são aprendizagens que não constam das fichas das unidades curriculares da maioria das licenciaturas ou mestrados. Esta é uma das conclusões que um estudo da plataforma Edulog aponta e que é apresentado nesta terça-feira. Apesar disso, a análise dá conta de que quase todos os cursos têm uma sólida preparação do ponto de vista linguístico.
A investigação “Como estão a ser preparados os futuros professores para o ensino da leitura e da escrita?”, assinada por Isabel Leite, membro do conselho executivo da Edulog — iniciativa para a área educativa da Fundação Belmiro de Azevedo —, conclui que “algumas componentes identificadas na literatura como indispensáveis para um ensino eficaz da leitura e da escrita estão omissas nas fichas de unidade curricular” dos cursos universitários. “Os conteúdos parecem não estar suficientemente consistentes.”
Como a autora explica ao PÚBLICO, entre esses conhecimentos e competências “indispensáveis”, destacam-se a consciência fonémica e a relação entre linguagem oral e escrita, o método fónico, a fluência na leitura, o ensino do vocabulário, o ensino da compreensão da leitura e a forma como todos esses processos se entrecruzam ao longo da aprendizagem.
“Quando olhamos para os planos de estudos não encontramos aquilo que a literatura internacional diz serem elementos absolutamente chave para termos um ensino eficaz. Foi uma das áreas em que detectámos mais inconsistência, mais fragilidade”, elucida.
Na óptica da investigadora, “o desejável será que na ficha de uma unidade curricular apareçam todos os conteúdos que a instituição considera imprescindíveis os alunos dominarem, assim como a bibliografia de base”, uma vez que são “componentes fundamentais para se ensinar de forma mais eficaz”.
Apesar desta característica omissa nas fichas das disciplinas, alerta Isabel Leite, isso não significa que os conteúdos não sejam leccionados. O estudo fez uma análise a todos os programas de 72 cursos (licenciaturas e mestrados) que garantem a formação de professores, além de terem sido feitas entrevistas a docentes e coordenadores de curso de algumas das instituições.
Com a análise das entrevistas, percebeu-se que o facto de estas aprendizagens consideradas essenciais não estarem presentes nas fichas das unidades curriculares não é sinónimo de que não sejam asseguradas durante o decorrer do curso superior. “Em vários casos, quando entrevistámos os colegas, eles apresentaram elementos que podiam não estar presentes em algumas das fichas das unidades curriculares. Ou seja, não significa em absoluto que não estejam a ser assegurados”, refere Isabel Leite.
Apesar da lacuna, é possível concluir que nestas licenciaturas e mestrados dirigidas a futuros professores há um domínio sólido da Linguística. “É fundamental que o professor domine bem a língua nos seus vários aspectos, uma vez que vai ensinar a ler e a escrever. E, em quase todos os cursos, esse conhecimento da língua está a ser trabalhado. Existe uma clara ligação dos professores dos departamentos de pedagogia e das ciências da educação aos colegas que trabalham mais na área da linguística”, desenvolve ainda a investigadora.
Outro aspecto destacado na investigação é que, “por regra, nas unidades curriculares de prática de ensino supervisionada, os estudantes/futuros professores são colocados numa única turma que acompanham ao longo de todo o semestre ou ano escolar e, por isso, a experiência pedagógica adquirida está dependente da turma, ano de escolaridade e trabalho desenvolvido pelo professor cooperante”.
“Os testemunhos dos entrevistados revelaram que os estudantes podem concluir a sua habilitação sem ter contacto com todos os anos de escolaridade do 1.º ciclo do ensino básico, logo sem a garantia de experiência pedagógica em contexto real de ensino e avaliação da leitura e escrita nas suas diferentes etapas de aprendizagem”, lê-se no sumário da investigação.
Isabel Leite dá um exemplo: “Podemos ter um aluno que faz todo o seu percurso de formação para vir a ser um professor de primeiro ciclo sem que tenha, por exemplo, leccionado um primeiro ano de escolaridade. É completamente diferente estar a ensinar a ler e a escrever uma criança que está no primeiro ano, que ainda não sabe ler nem escrever e, por isso, temos de lhe ensinar tudo, de ensinar um aluno que já está no quarto ano de escolaridade”.