Depois da década perdida, fundos europeus aceleram investimento em infra-estruturas

Só o Plano de Recuperação e Resiliência tem 699 milhões dedicados à componente da construção de infra-estruturas rodoviárias, mas a obra que vai representar o grosso do investimento nos próximos anos é a nova linha de alta velocidade Lisboa-Porto-Vigo.

Foto
Portugal tenta apanhar o comboio do investimento em infra-estruturas depois de uma década perdida Paulo Pimenta

Depois de uma década em que o investimento público se reduziu à conta da necessidade de equilíbrio das contas públicas, Portugal atravessa agora anos com a perspectiva de forte investimento público, muito por causa dos fundos comunitários que permitiram alavancar empreitadas pendentes há décadas.

A linha de alta velocidade entre Lisboa e o Porto é o maior investimento na área dos transportes para as próximas décadas. Um projecto de 4,5 mil milhões de euros que pretende ligar Lisboa, Leiria, Coimbra, Aveiro e Porto com comboios a circular a 300 km/h, replicando assim a solução ferroviária de futuro que os franceses iniciaram ainda nos anos 80 do século passado com o TGV, e rapidamente seguidos por alemães, espanhóis e italianos. Hoje até mesmo países europeus mais pequenos têm troços de linhas a mais de 200 km/hora.

Em Portugal a ideia é mesmo prosseguir com esse corredor atlântico ferroviário até à Galiza. A linha Porto – Vigo será a continuação lógica da linha Lisboa-Porto, tendo em conta a visão estratégica do governo em “coser” primeiro o litoral do país através deste investimento estruturante em vez de priorizar uma ligação a Madrid, a qual, aliás, está prevista para mais tarde com uma linha de Aveiro a Salamanca.

Por enquanto, tudo isto são riscos nos mapas. Algo a que o país se habituou nos últimos 30 anos desde que se começou a discutir a alta velocidade em Portugal e a tentar estruturar a ferrovia em Portugal depois de décadas de abandono. No final do século passado, em diversos fóruns internacionais, dizia-se que o caminho-de-ferro será o transporte do século XXI... se sobreviver ao século XX.

Em Portugal sobreviveu mal. Décadas de desinvestimento, a par de um fortíssimo investimento na rede rodoviária perante um país deslumbrado com o milagre da multiplicação das auto-estradas à custa dos fundos europeus e de negócios de PPP que nem sempre acautelaram os interesses do Estado, tornaram a ferrovia portuguesa quase obsoleta.

Corrida para evitar perder fundos

A recuperação começou com o Ferrovia 2020, um ambicioso plano de investimentos de 2,7 mil milhões de euros que em poucas semanas se reduziram para 2,1 mil milhões depois da União Europeia ter chumbado o projecto da nova linha Aveiro-Mangualde. Apresentado em 2016 para estar concluído em 2020, representa um enorme fracasso: dos 20 empreendimentos anunciados, só cinco estão inteiramente concluídos. Tudo derrapou para além de 2020 e a Infra-estruturas de Portugal luta agora contra o tempo para terminar o máximo de projectos antes de 2023 a fim de evitar a perda de financiamento comunitário.

Alguns desses projectos nem foram iniciados. É o caso da linha do Douro entre Marco de Canaveses e Régua, que transitou para o PNI2030 e a modernização da linha do Norte entre Vale de Santarém e Entroncamento que também não saiu do papel.

Por outro lado, os projectos são pouco ambiciosos no que diz respeito ao aumento das velocidades dos comboios e consequente encurtamento dos tempos de viagem. Para ganhar à rodovia, para tirar carros das estradas, como defende o ministro Pedro Nuno Santos, são precisos comboios mais rápidos e uma infra-estrutura que permita essas velocidades.

Carlos Fernandes, vice-presidente da IP, classifica o Ferrovia 2020 como um plano vocacionado para a recuperação da rede (travar a degradação e modernizar as linhas), para o transporte de mercadorias e para as ligações internacionais. O plano é herança do PETI 3+ desenhado no governo de Passos Coelho, que deu prioridade na ferrovia às mercadorias em detrimento dos passageiros e da coesão territorial.

Por isso, o responsável da IP assume agora uma ruptura com o PNI2030. Este será vocacionado para os passageiros e será “disruptivo” pois comportará um “eixo estruturante nacional” – a linha de alta velocidade Lisboa – Porto.

Não se trata, porém, de uma linha segregada das restantes vias férreas do país. A opção por construí-la em bitola ibérica (e não em bitola europeia como fez Espanha) permitirá uma boa integração na rede ferroviária pois os ganhos de tempo obtidos nessa “auto-estrada ferroviária” serão repercutidos em várias origens e destinos que não apenas Lisboa e Porto. No fundo o país vai encolher. A IP dá o exemplo de Coimbra: a cidade dos estudantes ficará a 30 minutos do Porto, 51 de Lisboa, 20 de Leiria. Vigo estará a 1h54, Braga a 1h18, Guarda a 2h07 e Évora a duas horas.

O projecto, porém, foi fatiado. A poucos dias da tomada de posse do actual Governo, a IP anunciou que a linha seria construída em três fases: Porto-Soure, Soure-Carregado e Carregado-Lisboa. A bitola ibérica permite que, à medida que cada troço for construído, os comboios possam utilizá-la logo e começar de imediato a encurtar distâncias. O reverso da medalha é o histórico deste tipo de projectos em Portugal – há sempre o risco de não se passar da primeira fase ou de esta se eternizar no tempo e tardar décadas até o projecto ficar completo.

O PNI2030 contempla mais investimentos na ferrovia. Está prevista a modernização da linha do Oeste entre Caldas da Rainha e Louriçal. O Douro deverá ser electrificado de Marco de Canaveses ao Pocinho. Em aberto está a reabertura do último troço desta linha até Barca de Alva.

Com a totalidade da linha do Algarve já em trabalhos de electrificação no âmbito do Ferrovia 2020, a sul do Tejo será fica a faltar a “ilha” que é o troço Casa Branca-Beja, um dos últimos pedaços da ferrovia no Alentejo que ainda tem comboios a diesel e que será finalmente electrificada. Resta depois a linha do Leste, entre Abrantes e Elvas. Sobre esta última, a Juventude Socialista dedicou um roteiro pela sua electrificação a 25 de Junho e ouviu do coordenador do Plano Ferroviário Nacional, Frederico Francisco, a afirmação de que, depois de concluída a ligação em construção entre Évora e Badajoz [prevista para o final do próximo ano], a “electrificação da Linha do Leste, do ponto de vista técnico, é a sequência natural desse investimento”.

Investimento não se fica pela ferrovia pesada

Nos próximos anos estão também previstos grandes investimentos na expansão dos metros de Lisboa e Porto, a construção do Lios (metro de superfície na zona oriental e ocidental de Lisboa) e dois metro-bus, um na região de Coimbra e outro na cidade do Porto. Está ainda prevista a construção de uma série de missing links [ligações em falta] rodoviários e pontes transfronteiriças.

Por partes: com 197 milhões de euros, Lisboa vai ver nascer duas novas estações de metro [em Santos e Estrela] e 1900 metros de túnel naquela que será a nova linha circular do Metro de Lisboa. Estará pronta no final do próximo ano. Depois segue-se a expansão da Linha Vermelha para Alcântara [com paragens em Amoreiras, Campo de Ourique e Infante Santo] e a construção de uma ligação de metro ligeiro em Loures e Odivelas com um orçamento de 554 milhões de euros. Se não houver atrasos, estará tudo pronto em 2025. Quanto há Linha Intermodal Sustentável (Lios) há valores previstos em 2020 – 490 milhões de euros – mas não há um prazo para executar.

A norte também há investimento previsto: o metro vai crescer no Porto com sete novas estações e surge uma linha rosa totalmente nova [Casa da Música a São Bento]. Há ainda uma ligação de autocarro rápido em via dedicada a construir entre a Boavista e a Praça do Império. O custo total das três obras é de 477 milhões de euros e será para executar até 2025. Está ainda a prevista a construção da “segunda linha de Gaia” [entre a Casa da Música e Santo Ovídio] que implica rasgar o Douro com uma nova ponte. Serão mais 299 milhões de euros vindos do PRR para executar até 2026.

Coimbra terá um metro sobre rodas em substituição do fracassado modelo de conversão da linha férrea pesada entre Coimbra e Serpins, no concelho da Lousã. O projecto Metro Mondego acumula uma história de 30 anos de avanços e recuos sem um quilómetro operacional. Para já fica a promessa de que a cidade do Mondego terá mesmo uma rede de autocarros eléctricos em via dedicada, mas ainda não se sabe ao certo quando estará finalizado o investimento. A promessa é que seja em 2024, mas implica o fim da ligação ferroviária pesada entre Coimbra-B e Coimbra, desactivando a estação no centro da cidade que, em 2018, registou 113 mil passageiros mensais.

PRR dá empurrão

O Plano de Recuperação e Resiliência é uma fonte importante de financiamento e atribui 699 milhões à componente de infra-estruturas rodoviárias. Para melhorar as conexões com Espanha está prevista a construção de pontes entre Alcoutim e Sanlúcar de Guadiana, na zona do Algarve, entre Montalvão e Cedillo, no curso do Rio Sever, a ligação de Bragança a Puebla de Sanabria, em Castela e Leão, e a construção de variantes na estrada de Vinhais para a capital de distrito. Este capítulo leva 69 milhões da “bazuca”.

Mais importante é o valor atribuído às ligações rodoviárias em falta como as variantes de Évora ou Olhão, a ligação Penafiel-Rans ou várias melhorias previstas para o IP8, no valor total de 313 milhões de euros. Há ainda 142 milhões de euros atribuídos à construção de ligações a parques empresariais, como as variantes de Aljustrel, Portalegre, Celorico de Basto ou Arruda dos Vinhos.

Depois há ainda a perspectiva eternamente adiada de construção do novo aeroporto de Lisboa. Para já o processo está suspenso à espera de ronda negocial com o novo líder do PSD, mas a vontade anunciada pelo Governo através do ministro Pedro Nuno Santos é a de que o aeroporto complementar seja construído na base área do Montijo e, só depois de esgotada a capacidade no modelo Portela+1, avançar para a construção de um aeroporto que vai substituir o de Lisboa e que se deverá situar na zona do campo de tiro de Alcochete.

Outros investimentos poderão ter de se somar a toda esta equação consoante o sucesso da candidatura ibérica à organização do Campeonato do Mundo de futebol de 2030, que deverá contar apenas com três estádios do lado português. A data prevista para a escolha pela FIFA dos organizadores do Mundial é 2024.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários