Guerra na Ucrânia - o velho exercício de encontrar as diferenças

Os que não aplicaram uma mera censura aos EUA pela invasão e mortandade no Iraque aplicam agora as mais duras sanções à Rússia, as quais estão a atingir duramente os povos da Europa e sobretudo da África.


Em tempos idos, os jornais contribuíam para exercitar a atenção dos leitores apresentando gravuras aparentemente iguais, mas que na verdade escondiam diferenças.

Hoje, o mundo apresenta características similares, o que parece ser igual afinal tem diferenças. Nas invasões do Iraque pelos EUA e da Ucrânia pela Rússia há essa semelhança, ambos os países foram invadidos. Washington está à distância de 6200 quilómetros de Bagdad. A Ucrânia tem uma longa fronteira com a Rússia. Qualquer uma das invasões violou do modo mais grosseiro e violento o direito internacional.

Tomando as duas invasões não serão achadas semelhanças quanto às reações do e no mundo ocidental; quem o lograr será forte candidato ao Nobel de Medicina na área da Oftalmologia.

A invasão iraquiana causou mais de cem mil mortos, a da Ucrânia ainda não acabou, mas os media falam do número assustador de mortos russos pelos soldados ucranianos (verdade ou propaganda?). Disse Zelensky que os russos estão a matar por dia entre 100 e 200 soldados ucranianos. Não se sabe se há semelhança, diferença ou propaganda. Sabe-se que nos escondem a verdade.

Quem esteve atento àquele ano de 2003 lembrar-se-á das “boas” intenções dos bombardeamentos dos EUA para descobrir as armas de destruição massiva, não havia crianças nem idosos mortos nos canais televisivos, eram danos colaterais.

Na Ucrânia, os idosos, as crianças mortas e os hospitais destruídos entram-nos pelos olhos dentro. Não há dia em que não nos mostrem aquele lado da guerra, como se houvesse guerras sem aquele lado. Outras guerras ficam sem direito a imagem.

George W. Bush, Tony Blair, Aznar, Barroso, Portas e companhia nunca foram apelidados de criminosos de guerra.

A NATO tomou conta do assunto no Iraque com as USA troops e nunca entregou qualquer arma, nem mesmo um canivete, nem um corta-unhas ao país invadido, nem convidou Saddam Hussein a falar nos parlamentos dos seus países. Nem sequer uma palavra de conforto.

Os refugiados iraquianos não foram aceites a não ser na Jordânia em condições infra-humanas, aliás o mesmo sucedeu com os refugiados sírios e afegãos.

A ocupação não levou os referidos governantes a chamarem diplomatas e muito menos a expulsões do corpo diplomático dos EUA/Reino Unido/Espanha. Não foi aplicado aos países invasores qualquer sanção, nem sequer a interdição de os EUA exportarem o conhecido Marlboro, a Espanha o apreciado brandy Fundador Pedro Domecq e o Reino Unido o seu famoso gin Gordon, tudo fluiu como fluía.

Como se lembrarão, nenhum político europeu se deslocou a Bagdad durante a guerra; os que lá foram fizeram-no com o objetivo de dar ânimo às tropas ocupantes dada a resistência dos iraquianos.

Os massacres cometidos em Falujja e noutras localidades não foram levados à Comissão dos Direitos Humanos da ONU e para os governantes ocidentais não chegaram a passar de uma maçada, aliás, justificável face à resistência iraquiana que não aceitava a “libertação”. Nem mesmo as torturas de Abu Grahib, nem as simulações de afogamento aplicadas aos presos políticos em Guantánamo e algures no alto mar supostamente em terra de ninguém.

O mundo explodiu da Austrália ao Canadá contra a guerra e veio para as ruas para tentar impedir a invasão. Lisboa foi palco de uma enorme manifestação popular. Agora, essa explosão tem sobretudo lugar nos canais televisivos.

Os que não aplicaram uma mera censura aos EUA pela invasão e mortandade no Iraque aplicam agora as mais duras sanções à Rússia, as quais estão a atingir duramente os povos da Europa e sobretudo da África.

Coloca-se a questão de saber se a humanidade vai, pelo exato e mesmo crime cometido, num caso pelo Presidente do país “guia” do Ocidente, George W. Bush, e noutro caso, pelo novo czar russo, Putin, ficar de braços cruzados a assistir a uma guerra interminável no continente e eventualmente a alastrar a todo o mundo. Aos governantes ocidentais falta-lhes o que Charles de Gaulle, ex-Presidente francês tinha - coluna vertebral. Parece que entregaram a Europa aos EUA, assumindo essa subalternidade.

É razoável esperar de quem governa a defesa da paz, e não de projetos de domínio do mundo seja a Ocidente seja a Oriente. Como escreveu, há mais de quinhentos anos, Erasmo, na obra Elogio da Loucura, “a guerra é coisa tão cruel que é mais própria de feras do que de homens”. Não há imperialismos bons. As guerras são a crueldade no seu lado mais brutal, como se vê diariamente na Ucrânia e se viu no Iraque.

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