Rui Fernandes: “A viola amarantina ainda tem muito para dar à música”
A solo e em quarteto, o músico e professor Rui Fernandes dedicou um disco duplo à viola amarantina. A apresentação integral é esta quinta-feira, em Amarante, às 21h30.
Músico e professor, Rui Fernandes é o rosto de um projecto inteiramente dedicado a uma das violas de arame tradicionais de Portugal, num disco duplo com o seu nome: A Viola Amarantina. Já nas lojas e nas plataformas digitais, é apresentado ao vivo, em quarteto e também a solo, esta quinta-feira, 16 de Junho, no Centro Cultural de Amarante, às 21h30.
Nascido em Vila Real, em 2 de Abril de 1963, Rui Fernandes acabaria por se dedicar à viola típica de Amarante, a uns 40 quilómetros da sua terra natal, e onde o destino o pôs um dia a leccionar. Mas já antes a música fazia parte da sua vida. “Eu tive um percurso musical idêntico a muita gente da minha geração”, diz Rui Fernandes ao PÚBLICO. “Comecei a tocar de ouvido e por imitação, depois passei para o rock, para os conjuntos e, como achei que tinha algum jeito para a música, fui estudar viola clássica.” E tornou-se músico. “Quando eu tinha 17 ou 18 anos toda a gente ouvia AC/DC, Led Zeppelin ou Lynyrd Skynyrd. Se eu chegasse lá e dissesse que tinha ouvido Beethoven ou Bach era completamente excluído do grupo. Mas tive muitas influências. Pat Metheny foi uma delas. James Taylor foi outra. Depois passei pelos Deep Purple, pelos Supertramp, pelos Pink Floyd, que me marcaram também muito. Tive influências do rock e do jazz.”
Mais tarde, foi “para os clássicos todos.” Um dia, já ele era professor em Amarante, um colega ouviu-o tocar e disse-lhe que tinha de comprar uma viola amarantina. “E foi isso que aconteceu. A viola amarantina caiu-me literalmente no colo. Fui experimentando tocá-la, começaram a surgir-me sonoridades, timbres, aproveitei essa dádiva e fui fazendo as minhas músicas. Tão simples quanto isto.” Até porque a amarantina, com dez cordas (cinco cordas duplas), tem, no dizer de Rui Fernandes, um aspecto favorável: “Uma afinação estranha, característica que é muito boa para o som dela. Um fá sustenido na segunda corda que lhe dá uma alma muito grande. Devido à excelentíssima construção, tem um som muito aveludado e, onde quer que se ponham os dedos, soa sempre qualquer coisa bem, bonita. A minha relação com ela não teve nada de estranho, pelo contrário.”
A primeira música que Rui compôs para a viola, Fernandinha (que abre o disco), fê-la devido a um convite para um encontro de violas em Amarante, dando-a aí a ouvir. Como gostaram, continuou a compor. “Convidei um amigo meu para fazer os vídeos e fui criando lentamente um canal no YouTube, até que um mestre amigo, da guitarra clássica, me telefonou e me disse que, embora não me desse conta, eu estava a fazer um repertório completamente novo para a viola amarantina. E foi a partir daí que assumi esse objectivo: se alguma ajuda eu podia dar à dinâmica e à divulgação desta viola, seria compondo.”
O álbum agora editado tem um total de onze temas, divididos por dois CD. No primeiro, em solo absoluto, Rui toca a totalidade dos temas: Fernandinha, Mestre violeiro, Era uma vez um souto, Scherzo para dois corações, Cumeeira, Lulavai, Querido Paredes, Sete nove nove, Dolente na tarde calma, Sónia e Tom & Jerry. No segundo disco, nove destes onze temas (excepto Querido Paredes e Sete nove nove, confinados ao disco a solo) surgem tocados em quarteto, juntando-se a Rui Fernandes (na viola amarantina) mais três músicos: Pedro Neves, piano; Miguel Ângelo, contrabaixo; e Ricardo Coelho, percussão.
Esta apresentação em Amarante vai ser a primeira integral. “Já houve alguns concertos, começámos a fazer experiências da apresentação no Teatro de Vila Real, em Novembro de 2021, onde apresentámos parte do álbum; depois houve um segundo concerto no espaço Miguel Torga, onde também não foi apresentado todo. Agora será a apresentação integral do CD no sítio que deveria ser apresentado: Amarante. Ainda bem que a Câmara apoiou. Vai ser tocado em quarteto, com uma parte a solo, vou falar muito do CD e da necessidade de captar tocadores, porque é isso que eu gostaria que este projecto fosse. Uma forma de mostrar que a viola amarantina ainda tem muito para dar à música. Independentemente do estilo, nós precisamos é de tocadores. Creio que a viola amarantina era das mais esquecidas nas violas de arame. A braguesa já está certificada, a beiroa vai ter uma classe em Castelo Branco, onde do 10.º ao 12.º ano quem quiser se pode inscrever. E há muito bons tocadores em todas as violas. Estou a pensar na campaniça, na viola da terra dos Açores, na braguesa. Há aqui um movimento de recuperação de violas na sua maior amplitude, porque não estão preocupados com estilos, mas sim em fazer música e em levá-la até aos graus de ensino.”