Douro: para além do cartaz turístico e dos vinhos afamados
A bacia hidrográfica do Douro, com 19.000 quilómetros quadrados do lado português, está fragmentada por inúmeras barragens, das quais as mais importantes são no próprio rio Douro, que domaram o vertiginoso curso do rio, tornando-o navegável e, com isso, veio o turismo. Mas, na verdade, a bacia está muito mais fragmentada pelas inúmeras barragens e açudes nos afluentes – milhares certamente –, para as quais não existe sequer um inventário. Muitas delas estão desativadas ou com títulos de utilização caducados e que, no conjunto, têm impactos dramáticos na migração da fauna piscícola, além de propiciarem a degradação da qualidade da água e dos habitats.
Por toda a Europa, e mesmo na parte espanhola da bacia do Douro, têm-se levado a cabo centenas de remoções destes obstáculos transversais, quando desativados, para promover a conectividade fluvial, um aspeto a que a Agência Portuguesa do Ambiente se tem alheado. Acresce que, no troço principal do rio Douro, o ex-líbris para as viagens dos turistas que admiram as ricas paisagens do Douro (onde infelizmente as novas formas de armação de terreno substituem as tradicionais…), as grandes embarcações contribuem para a erosão das margens sem que isso seja imputado aos empresários, cabendo aos municípios ribeirinhos arcarem com as obras de manutenção.
As barragens têm uma duração que é definida pela diminuição da capacidade de armazenamento das respetivas albufeiras. Esta situação está associada com a perda de solo. Por exemplo, uma floresta de monocultura, com incidência no eucalipto, é extremamente vulnerável aos fogos e é responsável pelo acentuar da desertificação com a concomitante redução da infiltração da água, antes favorecendo o escoamento superficial, que é o vetor fundamental para o aumento da erosão. Ora, estes sedimentos vão-se depositar nas linhas de água e, posteriormente, nas albufeiras diminuindo a sua capacidade de armazenamento.
Esta sedimentação nas albufeiras vai acabar, mais cedo ou mais tarde, por ditar a inutilidade das próprias barragens. Muitas das albufeiras do Douro necessitam já de ser desassoreadas (o que é frequentemente realizado no nosso país apenas em albufeiras de menor dimensão). Vários estudos realizados por investigadores do Centro de Investigação e Tecnologias Agroambientais e Biológicas da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (CITAB-UTAD) demostraram perfeitamente a relação entre os incêndios florestais e a deposição de sedimentos nas albufeiras, além da contribuição para a sua eutrofização.
Por cá, a Confederação dos Agricultores de Portugal, entidade que junta os grandes agrários, propõe um mirabolante plano de transvase de água do Douro para o Guadiana e para o Algarve, aquilo que o presidente desta organização define como “autoestrada de água”, demonstrando afinal uma ignorância absoluta pelos custos e consequências ambientais.
Quase metade das massas de água superficiais da bacia do Douro está abaixo do bom estado ecológico, predominando a poluição por nutrientes e não tendo havido indicações de melhoria, o que é um fator preocupante. Note-se ainda que 88% do consumo urbano nesta bacia depende das captações superficiais. Acresce que os cenários climáticos traçados para a bacia demonstram uma diminuição substancial dos escoamentos nas próximas décadas. Não, não há água a mais na bacia e é mesmo duvidoso que o incremento da área de rega proposto pelo Ministério da Agricultura seja sustentável.
Por sua vez, a Região Demarcada do Douro, sendo a região vitivinícola demarcada e regulamentada mais antiga do mundo e porta-bandeira de elevados valores patrimoniais, culturais, estéticos e ecológicos, está enferma, desde há décadas, de problemas específicos de poluição provocados pela indústria vitivinícola – fileira dominante e praticamente exclusiva. Os principais problemas detetados tem que ver com os consumos de água e com as condições em que são gerados os efluentes vinícolas, originando fenómenos de poluição orgânica, com impacto nas comunidades aquáticas e na qualidade da água para consumo humano.
Assim, o impacto negativo dos efluentes vinícolas sente-se, quer ao nível da poluição dos cursos de água na proximidade das adegas pela falta generalizada de ETAR adequadas, quer pelo efeito do mau funcionamento que originam por vezes nas ETAR municipais, vocacionadas para o tratamento de efluentes domésticos, muito menos poluentes e de composição muito diferente dos efluentes vinícolas. Acresce ainda a falta de sensibilidade ambiental e desinteresse dos proprietários, motivados pela deficiente fiscalização e consequente impunidade da infração e a falta de conhecimento e preparação técnica.
Assistimos agora à elaboração do 3º ciclo do Plano de Gestão de Região Hidrográfica do Douro. Os mesmos devem conter um Programa de Medidas que, define os instrumentos de intervenção na bacia. Ora, a Agência Portuguesa do Ambiente disponibilizou para a discussão pública, que começou há alguns meses documentos incompletos, sem incluir o Programa de Medidas, um elemento fundamental de planeamento e que só agora foi disponibilizado, faltando ainda algumas peças ao Plano de Gestão. Algo inédito em termos duma discussão pública! Sem falar nos Conselhos de Região Hidrográfica paralisados há dois anos. Algo demonstrativo da pouca preocupação que as entidades oficiais têm pelos rios deste país.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico