Lavrov na Turquia para tentar fechar acordo para exportar cereais da Ucrânia
A Rússia é acusada de estar a usar os problemas no fornecimento alimentar causados pela guerra para fins políticos. Kiev desconfia do plano mediado por Ancara.
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A Rússia e a Turquia esperam negociar um mecanismo que permita retomar a exportação de cereais da Ucrânia para fazer face à crise alimentar global causada pela invasão russa do país vizinho. No entanto, a profunda desconfiança de Kiev em relação a qualquer acordo que envolva o Kremlin deve manter o impasse.
O ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, vai ser recebido esta quarta-feira pelo seu homólogo turco, Mevlut Cavusoglu, numa deslocação que é importante para os dois países desde logo pelo simbolismo. Em pleno conflito com a Ucrânia, que tem recebido um forte apoio da NATO, o ministro russo, que é um dos homens mais próximos de Vladimir Putin, será acolhido para uma visita oficial a um Estado-membro da Aliança Atlântica, pondo em causa a narrativa do isolamento internacional russo.
A Turquia, por seu turno, tem tentado posicionar-se como um actor fundamental no conflito ucraniano, algo que serve tanto as suas ambições geopolíticas no Médio Oriente como os objectivos domésticos do Presidente Recep Tayyip Erdogan, que atravessa um momento sensível. A inflação galopante e as suas consequências para a economia turca estão a minar a popularidade de Erdogan, que no próximo ano pretende ser reeleito.
Apesar de manter laços com a Rússia, a Turquia tem igualmente apoiado a Ucrânia, sobretudo através da venda de armamento, de que são exemplo os drones Bayraktar.
O objectivo do encontro entre os dois ministros é alcançar um acordo que viabilize a saída de navios para exportar cereais que estão armazenados há semanas nos portos ucranianos. Desde o início da invasão que as forças navais russas bloquearam os portos da Ucrânia no Mar Negro, impedindo a saída ou a entrada de navios comerciais – estima-se que 90% das exportações agrícolas ucranianas são feitas por via marítima.
O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, avisou esta terça-feira que permanecem 20 e 25 milhões de toneladas de cereais bloqueados nos portos ucranianos e, até ao Outono, esse número pode ascender a 75 milhões.
O envolvimento de dois dos maiores exportadores mundiais de cereais e outros produtos agrícolas numa guerra está a causar perturbações nas cadeias de abastecimento mundiais. Segundo as Nações Unidas, o preço dos alimentos subiu em média 30% em todo o mundo face ao ano anterior, com o impacto a ser mais preocupante nos países em desenvolvimento, onde os problemas de escassez alimentar já eram crónicos.
No mês passado, o secretário-geral da ONU, António Guterres, avisou que o impacto da guerra sobre as exportações alimentares “ameaça atirar dezenas de milhões de pessoas para o abismo da insegurança alimentar, seguida da má nutrição, fome maciça e carência total”.
Pela sua posição geográfica, a Turquia tem um papel determinante no trânsito marítimo no Mar Negro e disponibilizou-se a encontrar uma solução que permita o escoamento dos cereais dos portos ucranianos. De acordo com o jornal russo Izvestia, alinhado com o Kremlin, o acordo prevê a participação da Marinha turca na desminagem do Mar Negro e na escolta de navios que vão transportar os cereais.
No entanto, parece ser improvável que a Ucrânia venha a aceitar os termos deste acordo, começando logo pelas operações de desminagem que, de acordo com Kiev, podem durar seis meses. As autoridades ucranianas receiam que as forças russas aproveitem a abertura do porto de Odessa para tentar tomar a cidade portuária – um objectivo que se mantém no horizonte do Kremlin. Ainda esta segunda-feira o ministro dos Negócios Estrangeiros, Dmitro Kuleba, manifestou desconfiança face às garantias dadas pela Rússia de que não iria atacar a cidade. “Não podemos confiar em Putin, as suas palavras são vazias”, afirmou.
A Ucrânia e os seus parceiros ocidentais têm acusado a Rússia de estar a apropriar-se da produção de cereais ucranianos para os vender, incluindo à Turquia. De acordo com o vice-ministro da Agricultura, Taras Visotskii, Moscovo exportou de forma ilegal perto de meio milhão de toneladas de cereais produzidos nas “regiões temporariamente ocupadas” de Kherson, Zaporíjjia, Lugansk, Donetsk e Kharkiv. Os produtos foram transportados através do Donbass e da Crimeia e houve tentativas de venda ao Egipto e ao Líbano, embora sem sucesso, disse o mesmo responsável.
Na reunião do Conselho de Segurança da ONU de segunda-feira, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, acusou a Rússia de estar a utilizar o fornecimento de alimentos como um “míssil furtivo” com o objectivo de fazer erodir o apoio à Ucrânia. Em resposta, o embaixador russo nas Nações Unidas, Vassily Nebenzia, abandonou a reunião e acusou Michel de “espalhar mentiras”.