Fará sentido usar a sigla LGBTQ+ até chegarmos à “utopia” da igualdade? Seis activistas respondem
Para ser cada vez mais inclusiva, a sigla LGBTQ+ tem crescido nas vozes que representa e nas letras que comporta. No entanto, cada vez mais longa, pode tornar-se, também, mais difícil de compreender. Inês, Wolf, Camões, Rui, David e Joana, activistas, reflectem sobre o valor da sigla enquanto símbolo, veículo de informação e factor inclusivo.
Como um organismo vivo, a sigla que nasceu como GLS — gays, lésbicas e simpatizantes — cresceu e evoluiu. A necessidade de ser cada vez mais inclusiva fez com que a comunidade fosse abraçando mais letras, mais pessoas e mais identidades. As letras LGBT continuam a ser a mais utilizadas para representar a comunidade, mas a sigla já não inclui apenas pessoas lésbicas, gays, bissexuais e trans, pelo que variações mais longas e inclusivas, como LGBTQ+ ou LGBTQIA+, são cada vez mais comuns.
Às quatro primeiras letras, somam-se o Q (de queer ou de questionando), o I (de intersexo) e o A (de assexual ou arromântico). O + representa todos os que não se sintam incluídos nas restantes letras. Qual será o futuro da sigla LGBTQ+? Continuará a crescer ou vai desaparecer? E o que simboliza? No mês do Orgulho LGBT+, seis activistas da comunidade falam com o P3 sobre o valor da sigla e a evolução que têm observado.
“A sigla continua a ser importante”
Inês Dust exerce o seu activismo através do que constrói na área do audiovisual. Aos 25 anos, já realizou o documentário Coming Out e criou o projecto Diversidades. Inês é queer e, para si, a importância da sigla LGBTQ+ tem uma dimensão pessoal e política: “Os termos são úteis quando uma pessoa se está a descobrir. É bastante útil encontrar uma palavra que nos defina. A sigla continua a ser importante, uma vez que mostra esta pluralidade de experiências que existem dentro da nossa comunidade.”
A realizadora refere que a adição de letras é importante porque, “em diferentes momentos, é necessário dar visibilidade a diferentes identidades”. Usa a letra I, de intersexo, como exemplo. “Quando se adicionou o I, era muito importante a nível cultural e político. Ainda não existe forma de catalogar pessoas intersexo quando nascem. Têm de estar sempre no masculino ou no feminino e isso é uma lacuna legal que não faz sentido”, considera.
Sobre um futuro de plena igualdade em que a sigla pudesse deixar de ser necessária, resume-o numa palavra: “utopia”.
“As pessoas sempre existiram, a sigla só veio dar representatividade”
A página de Instagram de Wolf recebe os visitantes com um “#NÃOMECALAS”. Uma voz activa na luta pela igualdade desde muito jovem – fez parte da coordenação do núcleo da rede ex aequo de Aveiro, aos 16 anos – é sobretudo nas redes sociais que, actualmente, Wolf é activista.
O terapeuta de reiki de 30 anos considera que a sigla é uma boa forma de transmitir informação: “As letras e os rótulos vêm facilitar a comunicação com outras pessoas. Se não houvesse rótulos, não tínhamos como explicar como se identificam e como é estar no seu lugar”. Afirma ainda que as letras LGBTQ+ concedem um sentimento de pertença à comunidade: “Ajuda as pessoas a sentirem que não estão sozinhas, que pertencem a algo”.
Num cenário de “mundo ideal”, as siglas e os rótulos não seriam precisos: “Neste momento, não temos isso”. Não se compromete em previsões sobre o sentido que a sigla fará daqui a uns anos, mas sublinha: “Tudo o que está na sigla carrega história e resistência. É bom não esquecermos a nossa história.”
“A partir do momento em que acrescentamos uma letra, há mais pessoas a serem incluídas”
Para Rui Oliveira, a sigla LGBTQ+ faz sentido a partir do momento em tem significado para a comunidade que representa. Rui, 24 anos, já fez parte da It Gets Better Portugal e acredita que “toda a gente se deve considerar activista a partir do momento em que gera impacto na vida das pessoas”.
O jovem homossexual atribui à sigla LGBTQ+ o valor de colocar várias identidades ao mesmo nível, algo que refere não acontecer na sociedade. “Ser rapariga lésbica não tem a mesma compreensão por parte da sociedade como ser não-binário ou assexual. Haver várias letras dá a capacidade a essas pessoas de estarem no mesmo patamar.”
Reforça, ainda, a importância de tornar a sigla cada vez mais inclusiva, mas alerta para o facto de o mundo evoluir no sentido de se tornar mais prático, o que pode levar à substituição. “Vamos passar a ser, provavelmente, uma comunidade queer, ou irão chamar-lhe outras coisas”, prevê o jornalista.
“A sigla vai estar sempre junto ao movimento”
Camões estuda História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto e faz parte do FRIDA, um núcleo feminista da FLUP. Vê na sigla LGBTQ+ uma forma de representar o movimento: “Para assegurar um movimento, existe uma sigla. Um marco para perceber que tipo de movimento é aquele”.
Aos 20 anos, refere perceber os argumentos de pessoas que dizem que ao ir acrescentando letras se vai estar a colocar cada grupo de pessoas em “caixas”, mas reforça que é importante continuar a incluir “toda a gente, para que os direitos não lhes sejam renegados”.
Apesar do passar do tempo, considera que a sigla nunca vai perder significado. “Acredito que exista uma evolução de pensamento, mas a sigla não vai deixar de lá estar. Por muito que os direitos sejam conseguidos, a sigla irá ficar como marco histórico.”
“Não faz sentido agrupar toda a gente dentro da mesma caixinha”
David Amado nasceu na Jamaica há 34 anos, mas vive em Portugal há cinco. Uma vez por mês facilita os encontros do Grupo de Apoio e Partilha de Pessoas Negras LGBTI da ILGA. Enquanto homem cisgénero homossexual, considera que tem uma experiência “menos pesada” do que outros membros da comunidade.
“A experiência de um homem gay tem mais privilégios do que as outras pessoas dentro da comunidade”, explica, sublinhando que o acrescentar de letras à sigla LGBTQ+ é necessário para “abrir espaço” para as pessoas da comunidade
Para David, as letras e as definições são, mais do que “caixas”, uma ajuda para jovens LGBTQ+ no processo de autoconhecimento. “Há pessoas com 15 anos que estão no processo de se descobrir e eu acho bem as pessoas mais jovens terem nomes para essas identidades”, explica.
Concorda que num cenário hipotético de igualdade plena a sigla LGBTQ+ pode deixar de fazer sentido. No entanto, não acredita que seja um futuro concretizável: “Acho que nunca vai acontecer. E por isso, precisamos dessas definições.”
“Dentro da comunidade existem tantas variações, é preciso abraçá-las a todas”
Joana Dágua esteve ligada à Rede 8 de Março, já participou em manifestações, mas, “enquanto artista”, considera que o activismo não depende de “pertencer a um colectivo”. Tem 40 anos, vive com a companheira e é música. “O activismo tem a ver com o nosso posicionamento político em tudo na vida. As minhas músicas também são manifestos activistas, também falam do amor entre pessoas LGBT”, conta.
Quanto ao valor da sigla e à sua evolução, Joana vê-se dividida. Por um lado, acha a “sigla um pouco complexa” e “gostaria que fosse mais simplificada”. Por outro, tem noção de que a comunidade engloba várias identidades e “é preciso abraçá-las a todas”.
De olhos no futuro, considera que pode fazer sentido arranjar outro termo porque “qualquer dia não se consegue pronunciar”. No entanto, considera que estamos muito longe de uma altura em que a sigla deixa de ser precisa. “Há uma constante ameaça. A maior parte dos países ainda não legitimam a existência destas pessoas.”
Texto editado por Ana Maria Henriques