Honda NT1100: conforto automático num “sofá com rodas”
A NT1100 segue o legado estradista da marca japonesa. Calhou-nos a sorte de testar o modelo desta moto de turismo com caixa automática — e foi uma boa surpresa.
A Honda tem uma história relevante de grandes estradistas. As icónicas Gold Wing e Pan-European, com grandes motores (entre os 1100 cc e os 1800 cc) e outros atributos e preços a condizer, marcaram durante anos o segmento das GT (grand touring), com a série de média gama Deauville (NT650 e NT700) num patamar mais acessível.
O fim da Pan-European e da Deauville em meados da década passada — a Gold Wing tem um novo modelo — deixou a Honda ausente das listas das desportivas de turismo nos últimos anos. Este segmento tem sofrido uma grande evolução, a par da explosão (e “febre”) das “Adventure” (ADV), motos com capacidade de utilização mista estrada/todo-o-terreno, onde se inclui a Honda Africa Twin (CRF).
Foi precisamente neste modelo que a marca encontrou a válvula de escape que lhe permitiu voltar este ano às listas das desportivas de estrada. A Honda pegou na fórmula de sucesso da Africa Twin e, usando o mesmo quadro e motor bicilíndrico de 1100 cc, afinou o conjunto para construir uma moto de turismo.
DCT: uma boa surpresa
A caixa de mudanças automáticas já existe nas motos há muito tempo (nas scooters), mas demorou a chegar aos segmentos mais desportivos, talvez por resistência dos consumidores que acham que sabem engrenar mudanças melhor do que as máquinas. Claro que não sabem e seguramente muitos serão surpreendidos, como nós fomos, pela eficiência da caixa DCT (“dual-clutch transmission”, dupla embraiagem) da Honda.
Criada há dez anos, equipa agora meia dúzia de modelos da marca com indiscutível sucesso. Porquê? Porque é fiável, porque se adapta a todos os modos de condução (sim, desportivo também), porque sofre menos desgaste interno do que as caixas convencionais e porque faz o veículo gastar menos combustível. É mais pesada e mais cara, mas vale a pena experimentar.
Foi o que fizemos. A Honda cedeu-nos uma NT1100 com DCT — esperávamos o bloco normal com “quick shifter” (sistema que permite que as mudanças sejam engrenadas sem que seja necessário usar a manete da embraiagem), a solução mais adoptada no segmento das desportivas de turismo — e ainda bem que assim foi.
- Consulte as especificações técnicas aqui.
Sim, é possível fazer uma condução desportiva com esta caixa, em parte graças aos modos de transmissão Sport (são três níveis, que diferem nas rotações a que a mudança mais alta engrena) e em dois botões junto ao punho esquerdo que permitem mudar a relação de caixa manualmente, à semelhança do que acontece, nos carros, com as patilhas atrás do volante. Os mais puristas podem ainda usar esta caixa em modo totalmente manual.
A DCT é bastante dinâmica nos modos Sport (particularmente nos modos S2 e S3). O modo S1 pareceu-nos adequado para o dia-a-dia. O base, designado AT (automático) é mais “pastelão”, mas é através dele que se conseguem os melhores consumos, com a marca a anunciar uma média de 5 L/100 km — no nosso teste, em trajecto misto, fizemos 5,2 L/100 km, sempre a utilizar os modos Sport.
O bloco bicilíndrico de 1084 cc é conhecido pelo elevado binário (104 Nm) e essa força aparece muito cedo e atinge o máximo às 6250 rotações — os 100 cavalos de potência estão disponíveis quase a entrar no vermelho, às 7250 rotações.
A elevada volumetria do motor faz-se sentir especialmente em baixas, com um “bater” que passa para o guiador em todas as faixas de rotações, o que se torna cansativo e constitui um ponto negativo para a condução prolongada. Isto é particularmente notório no arranque, ao ponto de fazer parecer que a moto está prestes a ir abaixo. Mas não vai, nunca vai. Essa é uma das maravilhas da caixa DCT e um argumento importante para os condutores citadinos.
Sem ser excitante, o desempenho da NT1100 é despachado. É menos potente do que a concorrência (Kawasaki Versys 1000, Yamaha Tracer 9, BMW F900XR ou Ducati Multistrada 950, por exemplo), mais virada para o turismo (secção onde a marca a apresenta oficialmente) do que para o desportivo e esse é o perfil de utilizadores que a Honda pretende captar. O principal argumento da nova NT é outro e faz-se sentir no corpo todo.
Um “sofá com rodas”
A sensação é imediata: o extraordinário conforto da NT1100 nota-se logo nos primeiros metros e, horas depois, não desvanece. Feita para fazer quilómetros (a autonomia anunciada é de 400 km), a suspensão proporciona conforto em todos os pisos sem que seja preciso recorrer à electrónica — e o banco “Confort” que testámos ajudou bastante.
Mas um dos aspectos cruciais é a “bolha” proporcionada pelo ecrã: conseguimos rolar em auto-estrada a 120 km/h com a viseira do capacete completamente aberta e sem qualquer sensação de desconforto (prática que não se recomenda, por segurança, mas é ilustrativa).
A NT está talhada para a estrada e por isso inclui, de origem, controlo electrónico de velocidade, punhos aquecidos e malas laterais — a top case é opcional mas recomendada, quanto mais não seja para servir de encosto ao passageiro. As malas laterais são fáceis de tirar, mas o desenho da moto faz com que não seja preciso: são esguias e ultrapassam em muito pouco a largura do guiador, não comprometendo por aí além a circulação em cidade.
O pacote tecnológico que a Honda oferece de origem neste modelo contribui para cativar o público mais jovem. O painel, também herdado da Africa Twin, permite a ligação via bluetooth ao telemóvel e, através de cabo, a utilização dos sistemas Android Auto e CarPlay. Para tal, a NT1100 vem instalada com ficha USB e tomada de “isqueiro” de 12 volts.
No painel de instrumentos táctil de 6,5 polegadas podemos ainda seleccionar um de três modos de condução: Urbano, Chuva e Viagem, bem como configurar a potência de motor e controlos de tracção e anticavalinho nos dois modos manuais disponíveis.
A Honda teve atenção aos detalhes e equipou a nova NT com piscas com cancelamento automático (qualquer condutor, de motos e carros, sabe a diferença que isto faz) e com um sistema de emergência que liga os quatro piscas quando detecta um abrandamento abrupto.
O sistema de travagem da Nissin é poderoso e capaz de fazer parar rapidamente os duzentos e muitos quilos que, na verdade, só se fazem sentir quando a moto está parada. A agilidade é outro dos grandes atributos desta NT1100, a que juntamos a força do motor, o pacote tecnológico e, sobretudo, o conforto.
A Honda entra de novo no patamar das grandes estradistas de inspiração desportiva (e acessíveis), mas para já apenas é possível experimentá-la. O modelo encontra-se esgotado em Portugal e a marca estima que o prazo de entrega possa variar entre quatro e seis meses.