À medida que os soldados voluntários Oleksandr Zhuhan e Antonina Romanova fazem as malas para voltarem ao serviço militar, contemplam a insígnia com um unicórnio que está nas suas fardas — é um símbolo de que são um casal LGBTQ e, ao mesmo tempo, soldados ucranianos.
Os membros da comunidade LGBTQ ucraniana que se alistam para a guerra começaram a coser a imagem do animal mitológico nas suas dragonas, abaixo da bandeira nacional. A prática remonta ao conflito de 2014 no qual a Rússia invadiu e anexou a península da Crimeia, que pertencia à Ucrânia.
“Muitas pessoas diziam que não havia pessoas homossexuais no exército,” contou à Reuters o actor, realizador e professor de teatro Zhuhan, enquanto ele e Romanova se vestem, no seu apartamento, para o segundo período de três meses de combate. “Eles (a comunidade lésbica, gay, bissexual, transgénero e queer) escolheram o unicórnio por ser como uma criatura fantástica ‘que não existe’”, conta.
Zhuha e Romanova, que se identifica como uma pessoa não-binária com os pronomes ela/dela e que se mudou para a capital depois de ter deixado a Crimeia em 2014, conheceram-se através do trabalho artístico. Não receberam treino de armas, mas depois de passarem alguns dias escondidos na sua casa de banho, no início da guerra, decidiram que tinham de fazer mais.
“Lembro-me que a certo ponto se tornou óbvio que só tínhamos três opções: ou escondermo-nos num abrigo, fugir, ou juntarmo-nos à Defesa Territorial (enquanto voluntários). Escolhemos a terceira opção”, conta Romanova.
A Rússia diz que as suas tropas estão numa “operação especial” para desmilitarizar a Ucrânia e livrar-se dos nacionalistas radicais anti-russos. A Ucrânia e os seus aliados consideram-no um falso pretexto para uma guerra de agressão.
Para Zhuhan e Romanova, a sua vocação dá-lhes um sentido de responsabilidade acrescido. “O que a Rússia faz não é só ficar com os nossos territórios e matar as nossas pessoas. Eles querem destruir a nossa cultura e não podemos permitir que isso aconteça,” diz Zhuhan.
“Não houve bullying”
A primeira patrulha de serviço ao redor de Mykolaiv, no sul da Ucrânia a cerca de 135 quilómetros do porto de Odessa, mudou as suas vidas. Lutaram na mesma unidade – experiência que consideram aterradora – e Zhuhan contraiu pneumonia. No entanto, o casal revela que os seus companheiros os aceitaram.
“Não houve agressões, não houve bullying. Foi um pouco estranho para alguns deles. No entanto, com o tempo, as pessoas começaram a chamar-me Antonina e alguns até usaram o meu pronome feminino”, conta Romanova.
Quando se juntaram à sua nova unidade, na estação central de Kiev, para um segundo período de três meses de serviço, foram recebidos com palmadas nas costas. O casal conhecia parte da equipa, mas os comandantes não estavam lá. “Estou um pouco preocupado com isso”, disse Zhuhan, enquanto a unidade se dirigia para o comboio, ao anoitecer: “Eu sei que em algumas unidades, as regras são mais rígidas. Não era assim na nossa (primeira) unidade”, acrescenta.
A inquietação de Zhuhan desapareceu quando um comandante assegurou que não toleraria homofobia e um oficial mais velho disse que o importante na linha da frente era ser um bom soldado, contou mais tarde à Reuters.
No entanto, um receio, confessado ainda no seu apartamento, mantém-se: “O que mais me preocupa é que no caso de ser morto durante esta guerra, não permitirão que Antonina me enterre da forma que eu quero ser enterrado”, desabafou Zhuhan. “Mais facilmente deixavam a minha mãe enterrar-me com um padre a ler orações parvas. Mas eu sou ateu e não quero isso.”