Para um artista de rua ucraniano, o pincel tem mais poder do que a arma

Gamlet Zinkivskiy diz que as obras são normalmente apolíticas — mas há excepções óbvias nas paredes destruídas de Kharkiv, desde homenagens a civis ucranianos até críticas à comunidade internacional.

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Reuters/RICARDO MORAES
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Gamlet Zinkivskiy está a combater a invasão russa com um pincel, enquanto cria murais que, espera, levantem a moral e ofereçam um breve antídoto para a guerra em Kharkiv, a segunda maior cidade ucraniana.

O artista de rua mais conhecido da cidade marcada pela destruição diz que as suas obras são apolíticas. Mas uma delas, pintada num contraplacado que veda a entrada de um edifício municipal esventrado por ogivas russas, diz o contrário.

O mural de três metros de altura, que mostra uma lata de gasolina e garrafas com trapos enfiados nos gargalos, relembra as bombas de gasolina feitas por civis para ajudar a impedir as investidas da Rússia, em Kharkiv e Kiev, em Fevereiro.

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Gamlet Zinkivskiy, artista de rua ucraniano REUTERS/Ricardo Moraes

O título do mural, escrito em caracteres cirílicos a negrito, é Hospitalidade infernal (numa tradução livre para português).

“Sim, tem razão”, riu-se Zinkivskiy quando um repórter apontou a natureza política do trabalho, à conversa na cozinha de azulejos brancos do apartamento do artista, em Kharkiv. “Os soldados russos acreditavam realmente que, em Kharkiv e em Kiev, as pessoas os iriam cumprimentar com flores”, diz. “Mas eles receberam os russos com cocktails Molotov.”

Ainda assim, Zinkivskiy manteve como pano de fundo as explosões das batalhas no norte e leste da cidade: a sua principal razão para pintar não é fazer declarações políticas mas “dar às pessoas algo novo para pensar”. “A vida normal está a voltar”, disse Zinkivskiy, 35 anos, que por vezes usa um colete de protecção enquanto pinta. “A guerra e as bombas não são a única coisa... Somos mais fortes com a arte”.

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O artista ucraniano Gamlet Zinkivskiy conversa com o seu comandante, Vsevolod Kozhemyako. REUTERS/Ricardo Moraes

Idealmente, gostaria de continuar a carreira em Inglaterra. “Mas não quero deixar a minha cidade porque estou a ajudar a construir uma nova cidade, um novo país.”

Zinkivskiy foi convencido a apoiar os esforços da guerra continuando a pintar por Vsevolod Kozhemyako, um proeminente empresário que organizou uma milícia voluntária para combater os russos. “Pedi-lhe que fizesse o que ele faz”, disse Kozhemyako, a partir da porta de trás de um camião, antes de se dirigir para as posições da sua unidade, fora da cidade. “Podemos, claro, ensiná-lo a disparar. Mas penso que ele é muito mais útil nesta área”.

Para Kozhemyako, que também apoia o internacionalmente aclamado poeta e romancista ucraniano Sergiy Zhedan, promover as artes enquanto o país luta pela sobrevivência é mais do que apenas uma forma de manter a moral da população. É também um meio, diz, para contrariar a argumentação do Presidente russo Vladimir Putin — parte da justificação para o que ele chama uma “operação militar especial” de que a Ucrânia moderna é histórica e culturalmente inseparável da Rússia.

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Os artistas e escritores ucranianos “lembram, em primeiro lugar, a todas as pessoas que vivem aqui, ao mundo e aos russos, que somos uma nação independente”, diz Kozhemyako. “Isto é o que eles [russos] não compreendem.”

Zinkivskiy, que ganha a vida a vender a sua arte, pinta apenas em cinzento, preto e branco. Esboça os murais em cartões, no seu estúdio, antes de sair para criar as obras em escala real. Algumas apresentam apenas palavras ucranianas, incluindo “o tempo ouve-nos”, manchada em grandes letras negras no que era uma parede interior de um edifício agora a descoberto, depois de um bombardeamento russo demolir a fachada.

Outros ecoam temas da guerra, ilustrando como o conflito está sempre presente. Um deles diz: “Eu mantenho o equilíbrio”. Pintado sobre um conjunto de grandes portas duplas, o mural retrata um homem equilibrado na borda de um bloco branco, dois pássaros sentados sobre um braço estendido e a outra mão a segurar a armadura corporal.

Noutro, cuja mensagem política não nega, Zinkivskiy expressou ao longo de uma das principais vias da cidade a ira sobre o que muitos ucranianos consideram o apoio tardio da Alemanha e o apreço pelo apoio militar e financeiro da Grã-Bretanha. Por baixo das placas da Rua Pushkin, nome da era soviética, pintou “Britain Street” nos muros em dez cruzamentos. Na época pré-soviética, chamava-se Rua da Alemanha.