A violência russa pode tornar Severodonetsk numa “nova Mariupol”, teme Kiev
As tropas russas continuam a atacar Severodonetsk, com “todas as armas possíveis” e “24 horas por dia”. As autoridades ucranianas temem que a cidade de Lugansk, no Leste da Ucrânia, se torne uma “nova Mariupol”: um desastre humanitário, sem água, electricidade ou aquecimento para os civis ainda presos.
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As tropas de Moscovo estão nos arredores da cidade de Severodonetsk, a última sob controlo ucraniano na região de Lugansk. Nesta segunda-feira pelo menos dois civis morreram e cinco ficaram feridos, vítimas de ataques russos.
A ofensiva militar russa concentra-se agora quase totalmente na cidade no Leste, a 90 quilómetros da fronteira russa. Nos próximos dias, segundo a análise do Instituto para o Estudo da Guerra, é provável que a Rússia retire tropas de Izyum e Lyman para as reorganizar em Severodonetsk.
De acordo com o governador regional de Lugansk, Serhiy Gaidai, a ofensiva partiu de duas frentes, a Nordeste e Sudeste, e na madrugada desta segunda-feira sucederam-se bombardeamentos contra edifícios residenciais em Severodonetsk e na vizinha Lysychansk. Nas contas do presidente da câmara local, Oleksandr Striuk, “90% dos edifícios estão danificados”, numa cidade já em ruínas.
“O inimigo usou todas as armas possíveis, está a recorrer à força aérea. Ainda assim, os nossos militares defendem-se com firmeza”, escreveu Haidai, em comunicado no Facebook. “Os mísseis russos mataram dois habitantes de Severodonetsk e feriram outros cinco. A maioria residia num bairro da zona antiga da cidade. Estavam a cozinhar num pátio quando os bombardeamentos começaram repentinamente.”
O cerco à cidade na província de Lugansk tem sido de tal forma violento que é comparado ao desastre humanitário de Mariupol. A situação “está à beira de ser crítica”, disse, esta semana, Gaidai, acrescentando que a região “é agora como Mariupol”.
“Mais de dois terços do parque habitacional da cidade foram completamente destruídos. Não existe qualquer ligação móvel”, avançou por sua vez o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. Já só é possível estabelecer contacto com um centro de apoio humanitário e um hospital, diz o governador.
Em Severodonetsk já terão morrido cerca de 1500 civis, vítimas de ataques russos ou devido à falta de recursos e cuidados médicos. Já não há água, gás, aquecimento ou electricidade, à semelhança do que aconteceu em Mariupol durante quase três meses. Além disso, o Exército russo estará ainda a transportar para a cidade um grande volume de armamento militar.
A intenção de Vladimir Putin será, agora, cercar os soldados inimigos no Leste do país, onde o Kremlin já domina grande parte das regiões separatistas de Donetsk e Lugansk, e conquistar a estratégica Severodonetsk para avançar no terreno e hastear a bandeira branca, azul e vermelha em todo o Donbass.
Neste fim-de-semana, Ramzan Kadirov, o líder tchetcheno, ainda avançou que Severodonetsk estaria totalmente sob controlo russo, mas a informação foi rapidamente desmentida por Serhiy Haidai. A cidade mantém-se um bastião ucraniano. Neste momento, o último a travar o avanço russo no Donbass.
Há mais de um mês que o Governo ucraniano anunciou o início da grande ofensiva russa no Leste da Ucrânia, “a batalha do Donbass”. Em Abril começaram a ser retirados civis de Severodonetsk, entre outras cidades da região, mas, das 100 mil pessoas que viviam na cidade, 15 mil ainda esperam por um resgate.
Na região Leste morrem, todos os dias, até 100 soldados ucranianos, afirmou Volodymyr Zelensky. Uma situação “indescritivelmente difícil”, em que já “não é possível fazer um balanço das baixas sofridas”, disse Haidai nesta segunda-feira. As tropas russas estão a tentar “apagar Severodonetsk da face da terra”, acusou. “Há bombardeamentos 24 horas por dia e o Exército russo escolheu, infelizmente, a táctica da terra queimada contra a cidade: estão a destruí-la de forma sistemática. Em todo o lado há bombardeamentos.”
Também a comissária de Direitos Humanos do parlamento ucraniano, Liudmila Denisova, denunciou a transformação de Severodonetsk numa “nova Mariupol”, a cidade portuária que se tornou na “pior” das frentes de guerra.
Ainda centenas de milhares de civis estavam presos em Mariupol e já não existia água potável, comida, aquecimento, electricidade ou acesso a cuidados médicos. Uma situação humanitária “catastrófica”, que piorou “de dia para dia”, explicou o coordenador de emergências da ONG Médicos Sem Fronteiras na Ucrânia. Não é, ainda, possível saber quantas pessoas morreram em Mariupol, mas o autarca da cidade regista, pelo menos, 10 mil vítimas.
Caso os soldados de Kiev se rendam perante a violência russa, como na fábrica Azovstal, Severodonetsk passará a ser controlada pelo Kremlin e Putin estará mais próximo do objectivo de conquistar o Donbass, onde já reconheceu a independência das províncias separatistas de Lugansk e Donetsk.