Detecção precoce do cancro da bexiga melhora o prognóstico

Em Portugal, de acordo com os últimos dados disponíveis do Registo Oncológico Nacional, o cancro da bexiga é o quinto cancro mais frequente no homem, com uma taxa de incidência cerca de quatro vezes superior à da mulher. Maio é o mês de sensibilização para este tumor maligno.

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No global, são estimados cerca de 2100 novos casos anualmente no nosso país. O cancro da bexiga é uma doença neoplásica que resulta de um crescimento descontrolado de células que constituem a bexiga. Há vários tipos de cancro da bexiga, sendo que o mais habitual, em mais de 90% dos doentes, é o carcinoma urotelial. “Cerca de 75% dos doentes, têm, ao diagnóstico, um tumor superficial, ou seja, sem invasão da parede da bexiga”, explica Cátia Faustino, médica oncologista no IPO-Porto e membro da direcção da Sociedade Portuguesa de Oncologia.

São vários os possíveis sintomas de cancro da bexiga, mas não sendo específicos da doença, podem facilmente ser confundidos com outro quadro clínico. “A hematúria, ou seja, a perda de sangue pela urina, é o sintoma mais frequente, mas também pode ocorrer em situações benignas como na infecção urinária ou litíase renal”, explica Cátia Faustino. No entanto, adverte, este sintoma deve servir de alerta e ser devidamente avaliado pelo médico assistente que poderá aconselhar a realização de outros exames complementares de diagnóstico. Outras queixas possíveis são alterações urinárias, como por exemplo, o aumento da frequência urinária, dor ou ardência ao urinar ou, ainda, jacto urinário fraco. Ainda que estas queixas estejam associadas a quadros clínicos benignos, devem ser devidamente avaliadas. É fundamental não ignorar qualquer sinal suspeito.

Mas afinal, quem são as pessoas que devem estar mais atentas aos sinais de alerta? “Pessoas com factores de risco, como o tabagismo ou a exposição ambiental a químicos [como por exemplo, os que são usados na indústria de corantes], com antecedentes pessoais de cancro urotelial ou com uma predisposição genética conhecida”, destaca a médica oncologista. “Cerca de metade dos casos de cancro da bexiga derivam do tabaco”, acrescenta. Existem outros factores de risco não modificáveis, como é o caso da idade, em que o risco aumenta com o envelhecimento, ou o género, uma vez que o cancro da bexiga é mais prevalente nos homens. No que respeita aos síndromes genéticos, Cátia Faustino destaca a síndrome de Lynch, em que está estabelecido o maior risco de desenvolver cancro da bexiga.

Como diagnosticar?

Após suspeita clínica pelo médico assistente, são solicitados alguns exames complementares de diagnóstico, como a análise à urina que pode incluir uma pesquisa de células malignas (citologia urinária). “É também efectuada uma cistoscopia para visualizar o interior da bexiga. Se neste exame existir uma área suspeita, o doente será submetido a uma cirurgia (ressecção endoscópica) para retirar essa lesão, cuja análise determinará se se trata de um cancro da bexiga”, explica a médica oncologista. Outros exames que poderão ser necessários para o diagnóstico e estadiamento da doença são a TAC ou ressonância magnética.

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Médica oncologista no IPO Porto e membro da direcção da Sociedade Portuguesa de Oncologia

Nesta, como em outras doenças oncológicas, a detecção precoce pode levar à franca melhoria do prognóstico dos doentes. “No entanto, ao contrário dos rastreios do cancro da mama ou do cancro colo-rectal, que estão perfeitamente estabelecidos, a evidência científica actual é insuficiente para se recomendar um rastreio do cancro da bexiga sistematizado, de base populacional, nos adultos assintomáticos, tendo em conta o benefício versus o eventual prejuízo.”. A explicação de Cátia Faustino é fácil de perceber. “Se, por um lado, não está demonstrado o impacto na sobrevivência com a utilização de potenciais testes de rastreio (como a análise sumária da urina ou citologia urinária) para o cancro da bexiga nas pessoas sem sintomas ou sem história de cancro da bexiga, por outro lado, um resultado falso-positivo é potencial gerador de ansiedade, angústia e pode levar à realização de exames invasivos fúteis, que podem causar outras complicações.”

Após a confirmação de cancro da bexiga, o tratamento depende do estadiamento da doença e pode passar pela realização de cirurgia, como já referido, mas também quimioterapia, imunoterapia ou radioterapia. O prognóstico está associado à fase da doença em que se faz o diagnóstico. “Nos tumores superficiais da bexiga, que são a maioria dos casos, a taxa de sucesso é elevada. No caso da doença metastizada, ou seja, quando as células malignas já se disseminaram para outras partes do corpo, o tratamento não é curativo e o prognóstico é mais reservado, embora existam actualmente opções terapêuticas que vieram aumentar a sobrevivência e a qualidade de vida dos doentes”, afirma a médica oncologista.

Sensibilizar e alertar

As campanhas de sensibilização, os dias mundiais e os meses dedicados a uma determinada doença permitem chegar a um grande número de pessoas. No caso do cancro da bexiga, em particular, podem alertar para a existência da doença, “mas também contribuir para a consciencialização dos sinais e sintomas, bem como, reforçar a informação sobre os factores de risco, como o tabagismo”, foca Cátia Faustino. Estas campanhas revestem-se como fundamentais na desmistificação da doença junto da sociedade, sublinha, “traduzindo-se num impacto positivo para a vida do doente com cancro da bexiga”. Por outro lado, “contribuem para a literacia da saúde, incentivam a diminuição da exposição nociva e antecipam diagnósticos mais precoces na presença de sintomas suspeitos”.

As associações de doentes ligadas ao cancro proporcionam um espaço próprio de partilha de vivências e experiências, que “permite aos doentes e sobreviventes de cancro criar redes de apoio e entreajuda e sentirem que não estão sós nem são os únicos a enfrentar os desafios da doença. A sinergia entre a comunidade médica e científica, doentes e suas famílias e sociedade civil constitui um vértice essencial para que progressivamente se consigam quebrar tabus ainda tão enraizados e associados à doença oncológica”, conclui Cátia Faustino.