Cientistas tentam trazer de volta da extinção o tigre da Tasmânia
Com a tecnologia de edição de genes poderemos recuperar espécies que já desapareceram? Na Austrália, foi criado um laboratório com o objectivo de trazer para os nossos tempos aquele que foi o maior marsupial carnívoro, extinto já no século XX.
O cientista espreitou para dentro de uma caixa no edifício de biociências na Universidade de Melbourne e tirou de lá um marsupial do tamanho de um ratinho, com enormes olhos negros, do género Sminthopsis (conhecido na Austrália como “dunnart”). Cravou os dentes no dedo do biólogo do desenvolvimento Stephen Frankenberg. O cientista pousou-o, e o ratinho correu de volta à sua toca feita de caixas de ovos e ervas nativas do seu habitat.
Esta pequena criatura parece um candidato improvável para ser o parente mais próximo de um predador de topo. Mas o Sminthopsis pode ser a chave que permitirá trazer de volta da extinção o tigre da Tasmânia (Thylacinus cynocephalus).
Os Sminthopsis foram trazidos para a universidade quando foi criado o laboratório de Investigação Genética Integrada para a Restauração do Tilacino (TIGRR na sigla em inglês) – outra forma de designar aquele que foi o maior marsupial carnívoro dos tempos modernos, que se extinguiu no início do século XX. Uma equipa de geneticistas, liderada por Andrew Pask, está a tentar tornar realidade o conceito de “desextinção”. Planeiam usar técnicas de edição de gentes durante a próxima década para transformar células de “dunnart” em células do tigre da Tasmânia, para trazer de volta ao nosso mundo esta criatura.
Este objectivo faz pensar numa referência óbvia. Andrew Pask não se importa. “Agora o filme Parque Jurássico!”, disse. “Gosto mesmo.” Ele tem no escritório um bonequinho da personagem John Hammond, o cientista do filme de 1993 que cria o parque para dinossauros trazidos de volta da extinção, numa história que acaba mal.
Muitos críticos defendem que estes projectos de “desextinção” são loucuras caras que distraem a comunidade científica do trabalho de conservação das espécies que é mesmo necessário fazer, além de poder ter consequências inesperadas.
Mas Andrew Pask, ao contrário da personagem Hammond, diz que está preocupado com a conservação da natureza. A Austrália tem a taxa mais acelerada do mundo de extinção de mamíferos, causada sobretudo por espécies invasoras como raposas e gatos selvagens, e alterações nos padrões dos incêndios florestais. Pask espera que os avanços científicos que serão necessários para que volta a existir o tigre da Tasmânia venham a ajudar à sobrevivência de animais que estão em risco de extinção.
“Quando as pessoas dizem ‘não aprendemos nada com Parque Jurássico?’ – bem, é muito diferente trazer de volta da extinção um velociraptor [dinossauro que viveu durante a última parte do período do Cretácio] ou um tigre da Tasmânia”, sublinha Pask.
A espécie favorita de Pask era nativa da ilha da Tasmânia. Parecia um lobo pequeno mas tinha um dorso riscado, a sua mandíbula tinha uma abertura de 90 graus e tinha uma bolsa na barriga – era um marsupial, como os cangurus actuais. As suas crias acabavam de se desenvolver na bolsa. O último exemplar conhecido, chamado Benjamin, morreu num zoológico de Hobart em 1936.
Uma mãe de aluguer
Este é o plano para o trazer de volta: primeiro, transformar células de Sminthopsis em células de tigre da Tasmânia usando tecnologia de edição de genes. Depois, usar, estas células para criar um embrião, no laboratório ou no útero de um animal. Implantar o embrião na fêmea de uma espécie como o Dasyurus (também conhecido como gato marsupial ou quoll), que também é um carnívoro. Se tudo correr bem, o tigre da Tasmânia reconstituído teria como mãe esta fêmea de gato marsupial. Quando o bebé estivesse suficientemente desenvolvido para deixar a bolsa da mãe, os cientistas intervinham e ajudá-lo-iam a chegar à idade adulta.
Depois, fariam tudo de novo outra vez, para que nascessem mais tigres da Tasmânia, até ter uma população suficientemente grande para poder libertar na natureza alguns animais.
“É de certeza exequível”, disse Owain Edwards, líder do grupo de Genómica Sintética Ambiental na Organização de Investigação Científica e Industrial da Commonwealth, que não está envolvido no projecto. “Absolutamente. O que eles estão a propor fazer pode ser feito. O que não é claro para ninguém é: qual vai ser o resultado? Porque nunca será um tigre da Tasmânia puro”.
A edição de genes é diferente de outro processo que está estabelecido no imaginário popular – a clonagem. Ao contrário da clonagem, a célula que seria produzida pelo laboratório TIGRR não teria uma cópia exacta do genoma do tigre da Tasmânia. Seria parte Sminthopsis, parte tilacino, um híbrido. “Não sei se será 99,99% ou 78% tigre da Tasmânia”, responde Pask. “Mas seremos capazes de recuperá-lo em parte.” Esta abordagem é semelhante ao esforço de cientistas norte-americanos para “desextinguir” o mamute lanoso, através da edição de genes de elefante.
Paul Thomas, um biólogo molecular da Universidade de Adelaide (Austrália) que também não está envolvido no laboratório TIGRR, duvida que dentro da próxima década seja tecnicamente possível a enorme edição do genoma que será necessária – ele hesita em chamar “desextinção” a este processo. Os genomas do Sminthopsis e do tilacino “têm provalvemente centenas de milhares – provavelmente milhões – de diferenças”, sublinhou. “É uma abordagem interessante, mas de certeza que vai ser um projecto prolongado e difícil.”
Genética contra o sapo
Num outro sítio no laboratório está outro animal que nos recorda o impacto dos seres humanos sobre a natureza (Rhinella marina, antigamente chamado Bufo marinus e conhecido como sapo-cururu ou sapo-boi, sapo nativo das Américas Central e do Sul). Castanho e coberto do que parecem verrugas, é venenoso. Quatro exemplares estão num tanque com um ar entorpecido que não nos faz desconfiar do caos que esta espécie causou.
O sapo-cururu foi introduzido na Austrália em 1930, porque se pensou neles como uma solução para uma praga: poderiam comer um besouro que estava a devorar a cana-de-açúcar. Mas a sua presença “não teve efeito nenhum sobre o besouro”, contou Stephen Frankenberg. Em vez disso, devastaram populações de animais nativos. Existem agora 200 milhões de sapos-cururu na Austrália – tantos que, na competição por alimentos e na ausência de outros predadores, acabaram por se tornar canibais.
Agora, os cientistas esperam que uma nova tecnologia possa emendar o erro que foi trazê-los para a Austrália. Um dos projectos de Frankenberg é tentar editar o ADN de animais nativos da Austrália para que desenvolvam resistência ao veneno do sapo-cururu. Está a começar com o quoll-do-norte, uma das espécies de gatos marsupiais.
“Espécies da América do Sul que evoluíram paralelamente com o sapo-cururu durante milhões de anos são geneticamente resistentes à sua toxina”, explicou. “E conhece-se o gene que é responsável por isso.”
Se os gatos marsupiais cujos genes foram editados resistirem de facto ao veneno dos sapos, terão mais possibilidades de se multiplicar na natureza. “E assim podem tornar-se predadores naturais dos sapos-cururu”, disse Gerard Tarulli, outro biólogo do desenvolvimento que trabalha no laboratório TIGRR.
Pode até ser recolhido material genético de espécimes de gatos marsupiais preservados em museus para aumentar a variedade de genes disponíveis e assim aumentar a sua saúde genética. O laboratório está a planear criar um banco de tecidos de células de marsupiais congeladas, para que seja possível clonar animais e pô-los em liberdade.
Outro projecto prevê o uso de outra tecnologia, a da genética dirigida, para editar o ADN de espécies não desejadas para que produzam apenas machos, por exemplo. Esta técnica introduz mutações genéticas que se espalham com maior rapidez numa população do que no processo normal de hereditariedade – pode ser usada para o controlo de pragas, como insectos indesejados, mas ainda é controversa.
Uma tecnologia a desvendar
Esta tecnologia tem muito potencial. E ainda não entendemos bem como funciona nos marsupiais, mas vamos entender, com este projecto”, disse Pask.
Mexer no ADN de animais selvagens com o objectivo de os salvar é algo que não agrada a toda a gente. Cientistas, especialistas em ética e ambientalistas têm levantado objecções à ideia de libertar criaturas cujos genes foram editados – incluindo animais que estavam extintos – sem compreendermos completamente quais serão as consequências. Cam Walker, porta-voz da organização Amigos da Terra-Austrália, diz que a edição de genes introduz novos riscos nos ecossistemas, quando devíamos era estar focados em conservar a natureza.
“Não apoiamos o uso da edição de genes na conservação da natureza”, disse. “Tem muitos processos aleatórios cujos resultados não se podem prever.”
No laboratório TIGRR, um dos lemas favoritos é “transformar ficção científica em factos científicos”. Ao fundo do corredor onde fica o escritório de Pask, a estudante de doutoramento Tiffany Morelande está com uma pipeta na mão, a deitar pequenas gotas de material celular de um crânio de ratinho para dentro de uma máquina, para o comparar com o material genético do crânio do Tigre da Tasmânia.
Ali ao lado, Tarulli está a usar um poderoso e enorme microscópio, numa sala minúscula, a ver células interagir com hormonas reprodutivas. No andar de baixo, Frankenberger foi ver como estavam os Sminthopsis. Um biólogo molecular chamado Axel Newton, vestido com uma bata branca, noutra zona do laboratório, disse que mal consegue acreditar que pode estar a dar os primeiros passos para trazer um animal de volta da extinção. Adicionou nutrientes a uma cultura de células para que elas se multiplicassem. “É assim que acontece”, disse ele. “Começa-se assim.”
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post