Combate à pobreza energética tem de passar pelo fim de “subsídios cegos”
Num parecer sobre a eficiência energética das casas portuguesas, o Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável considera que programas como o Edifícios +Sustentáveis fracassaram e defende que o parque habitacional do país só melhorará com uma “gestão de proximidade”.
O Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS) tornou público, esta terça-feira, um parecer sobre a eficiência energética dos edifícios portugueses, com enfoque nas habitações. Na hora de fazer um diagnóstico da situação actual, o CNADS é assertivo. “Em Portugal, apesar de múltiplas medidas pontuais ao longo dos anos e de novas iniciativas que têm resultado em incentivos diversos, o parque habitacional continua a ter má qualidade”, considera o órgão consultivo, afirmando que 75% das famílias portuguesas vivem em casas que “não cumprem os requisitos modernos de comportamento térmico dos edifícios”.
No documento, que foi enviado ao Governo, há considerações sobre recentes programas de apoio que visaram encorajar os portugueses a realizar obras que melhorassem o comportamento térmico das suas casas, assim como são identificadas algumas das medidas que, na opinião do órgão consultivo, têm de ser tomadas para o combate à pobreza energética ser mais eficaz.
Avaliando o impacto de políticas passadas de mitigação da pobreza energética, o CNADS começa por lembrar que, com a era da troika, os “apoios ao isolamento térmico de edifícios” foram suspensos “durante quase uma década”. Estes regressaram em anos recentes, mas, na óptica do órgão consultivo, não foram (ou, até ver, não têm sido) um sucesso.
O CNADS dá o exemplo do Casa Eficiente 2020, um programa de apoio que funcionou à base de empréstimos bancários (o dinheiro dado a cada candidato financiava obras de melhoria do desempenho energético da sua casa). Uma vez que “a taxa de juro proposta aos potenciais clientes, em vez de ser bonificada, era agravada”, o programa “não teve praticamente qualquer efeito”, considera o órgão consultivo, que também aponta insuficiências ao Edifícios +Sustentáveis, outro programa de apoio que, “sendo relevante”, ficou, na sua análise, muito aquém das metas estabelecidas.
Segundo o Ministério do Ambiente e da Acção Climática, que emitiu um comunicado sobre o programa a 4 de Maio (dois dias após o encerramento das candidaturas), mais de 26 mil das cerca de 106 mil candidaturas recebidas haviam sido, até à data, consideradas elegíveis. O CNADS constata que, segundo o Fundo Ambiental — de onde, inicialmente, proveio a dotação do Edifícios +Sustentáveis —, permanecem em análise cerca de 50 mil candidaturas, mas sustenta também que, mesmo que a maioria destas candidaturas venha a ser aprovada, o programa não conseguirá ajudar mais do que “1,9% dos três milhões de famílias que vivem em habitações com mau desempenho energético”.
O parecer do CNADS também considera “muito limitada” a “utilidade” do Vale Eficiência, um programa voltado para pessoas que beneficiem do desconto da tarifa social — e no âmbito do qual estão a ser atribuídos cheques de 1300 euros (mais IVA) para a realização de obras. O órgão consultivo descreve estes montantes como “irrisórios” e critica também o facto de só se aplicarem a “famílias carenciadas que sejam proprietárias das suas habitações” (quem não vive em casa própria não pode concorrer).
“Baixar artificialmente os preços da energia” não é solução
Segundo o CNADS, urge ser repensada a forma como são desenhadas as estratégias de incentivo à melhoria da eficiência energética das habitações. O órgão consultivo acredita que devem ser financiadas medidas que, por um lado, produzam “benefícios públicos” — como “a protecção do ambiente” e “melhor qualidade de vida para a população, em especial os sectores mais vulneráveis” — e, por outro, realmente apoiem pessoas com menor capacidade económica.
A própria forma como são avaliados os resultados das medidas implementadas tem de ser redefinida, continua o CNADS. Devem ser usados “indicadores de desempenho efectivo (conforto, rentabilidade a prazo, efeitos ambientais) e não indicadores de mera execução ou prescrições tecnológicas, que tendem a criar distorções”, argumenta o órgão consultivo, que dá ainda um alerta: alguns tipos de medidas “não são apropriados”.
O CNADS é contra “baixar artificialmente os preços da energia”, por exemplo. Porquê? A redução de preços dá ao mercado “o sinal oposto ao pretendido e diminui a rentabilidade das medidas de eficiência”.
Criar-se “subsídios cegos” sem se “atender a uma definição clara de prioridades ou às condições concretas dos beneficiários” também é de se evitar, frisa o órgão consultivo.
O CNADS salienta que existe “uma grande variedade de circunstâncias familiares”, pelo que não pode haver uma só estratégia de combate à pobreza energética. O órgão consultivo começa por dar o exemplo de famílias de classe média que são proprietárias da casa onde vivem. “Nestes casos, a eventual pobreza energética (entendida como uma casa desconfortável) não tem a ver com a pobreza económica, mas com outros factores”, observa o CNADS, argumentando que “incentivos fiscais atractivos podem ser um instrumento democrático, horizontal, eficaz e relativamente simples para promover a eficiência” das habitações da “maioria das famílias de classe média”.
Entre os referidos “incentivos fiscais atractivos”, destaca o CNADS, “podem incluir-se as taxas reduzidas de IVA nos trabalhos de instalação e construção”.
Mas há também famílias que não têm dinheiro para requalificar as suas casas e pessoas que vivem em habitações sociais, assim como há quem more em casas arrendadas, “com mau comportamento térmico e défice de manutenção”. Muitos senhorios, argumenta o CNADS, “não estão interessados em obras de beneficiação, porque nada têm a ganhar com isso”.
Como se resolve o problema da pobreza energética quando é destes casos mais complexos que se fala? “Será sempre preciso colocar no terreno equipas multidisciplinares que façam uma análise térmico-económica caso a caso e prestem apoio social e técnico”, considera o CNADS.
Nos casos de precariedade económica agravada, opina o órgão consultivo, “será necessária uma gestão de proximidade, o que implica envolver as autarquias locais, e, em muitos casos, estabelecer parcerias com organizações da sociedade civil que conheçam a realidade do terreno”. Já no que às casas arrendadas diz respeito, conclui o CNADS, terá de se proceder a “um ajuste da legislação, no sentido de criar incentivos tanto para os senhorios como para os inquilinos”.