“É uma repetição”: como as famílias das vítimas de Sandy Hook olham para o tiroteio em Uvalde, dez anos depois
“Lamento que essas mortes não tenham mudado o mundo”, escreveu uma das sobreviventes do ataque a Sandy Hook, que fez 26 vítimas e está prestes a completar uma década. “Não consigo evitar pensar que isto vai seguir o mesmo padrão de antes”, disse a mãe de uma das crianças que morreram nesse ataque.
A família das vítimas do massacre de Sandy Hook — que está prestes a completar uma década — voltaram a pedir, nesta terça-feira, uma legislação mais apertada sobre armas, que impeça que ataques como o da Escola Primária Robb, em Uvalde, no Texas, voltem a acontecer.
A tragédia em Uvalde acontece quase uma década depois daquele que foi o ataque numa escola primária mais mortífero nos EUA: Sandy Hook. Em Dezembro de 2012, um atirador de 20 anos, chamado Adam Lanza, abriu fogo na escola Sandy Hook, em Newtown (Connecticut), disparando contra os alunos e funcionários da escola primária, antes de se suicidar. Morreram 20 crianças e seis adultos.
O ataque desta terça-feira, da Escola Primária Robb, fez 21 vítimas: 19 crianças e dois adultos. São mais vítimas do que o massacre de Parkland, na Florida, que aconteceu em 2018, onde 17 pessoas perderam a vida — que continua a figurar na lista das agressões com mais vítimas em escolas primárias, básicas ou secundárias nos EUA, de acordo com as contas do New York Times. O jornal excluiu os ataques em estabelecimentos de ensino superior, como o do Instituto Politécnico da Virgínia, que aconteceu a 16 de Abril de 2007 e provocou 32 mortos.
Para os pais e famílias das vítimas de Sandy Hook, o tiroteio desta terça-feira soa a derrota.
“Acho que é algo que sabemos que vai acontecer outra vez e outra vez”, disse Neil Heslin, um dos pais de uma das vítimas de Sandy Hook, ao New York Times. O filho, Jesse Lewis, tinha seis anos quando morreu no tiroteio de 2012.
Heslin disse que se sentiu “obrigado” a assistir à cobertura mediática do ataque em Uvalde. “É uma repetição de Sandy Hook.”
Agora, antecipa um debate acerca da legislação sobre o uso de armas nos EUA — a discussão aumenta sempre depois de grandes ataques a escolas. O Texas é um dos estados com a legislação sobre armas mais permissiva, mas os ataques a estabelecimentos de ensino, especialmente quando envolvem crianças pequenas, têm um impacto maior na opinião pública.
A National Rifle Association (associação norte-americana lobista das armas) já não tem tanto poder quanto há dez anos, quando aconteceu o massacre de Sandy Hook. O apoio financeiro e político da associação ajudou a derrotar as propostas de uma legislação sobre as armas mais pesada que se discutiram depois do ataque em Newtown.
Neil Heslin não foi o único a tentar prever a reacção norte-americana a mais um tiroteio numa escola. Veronique de La Rosa, mãe de Noah Pozner, a criança mais jovem a morrer em Sandy Hook, descreveu a forma como olhou para os acontecimentos de terça-feira: “Infelizmente, foi um estado de paralisia.”
Robbie Parker, cuja filha Emilie morreu em Sandy Hook, não alimenta esperanças vãs. Espera que a reacção norte-americana a mais um tiroteio numa escola seja “frouxa”. “Não consigo evitar pensar que isto vai seguir o mesmo padrão de antes”, disse, citada pelo New York Times.
“Pensamentos e preces não fizeram com que a minha mãe voltasse depois de ter sido atacada num corredor em Sandy Hook — e também não vão fazer com que as 15 vítimas que morreram na Escola Primária Robb regressem. Já passou da hora de agir”, escreveu Erica Leslie Lafferty, filha da directora da escola Sandy Hook, no Twitter. “Esta dor nunca desaparece. Não é bonita”, escreveu noutra mensagem. “O trauma é real.”
Mais tarde, ouvida em directo pela CNN, disse que “as famílias nesta comunidade estão a caminhar para o inferno e há uma rede de pessoas que já o viveram, que estão a chegar-se à frente e a apoiá-los…” “Mas isto não vai passar. Não passa para as famílias nem para a comunidade. Muda a vida toda. É devastador”, continuou Lafferty.
Nicole Hockley, que perdeu o filho em Sandy Hooks e, na sequência do ataque, criou o grupo Sandy Hook Promise, referiu-se à dor “indescritível” que os pais das vítimas devem estar a sentir e pediu aos políticos que ajam. “Quantas mais crianças precisam de morrer antes que os políticos deixem de se importar tanto com as suas carreiras políticas e passem a importar-se com os seus eleitores e com as vidas destas crianças? Estes ataques acontecem em todo o lado”, escreveu para o USA Today.
Também Mary Ann Jacob, que estava a trabalhar como bibliotecária em Sandy Hooks no dia do ataque, escreveu no Twitter que foi “transportada de volta para o quartel dos bombeiros” para onde foi levada depois do tiroteio. “Lamento que essas mortes não tenham mudado o mundo.”
Contudo, as famílias de Sandy Hook também tentam ver o lado positivo da questão. Depois do atentado em Parkland, os estudantes sobreviventes juntaram-se para pedir mais controlo de armas e deram início a um movimento com longevidade. Também associações como Moms Demand Action (Mães Pedem Acção), que arrancaram depois de Sandy Hook, conseguiram conquistas a nível local e estadual.
Ao longo de quase uma década, as famílias de Sandy Hook ganharam seis processos por difamação contra teóricos da conspiração que alimentaram campanhas onde se alegava que os ataques em massa a escolas eram ensaiados para se promover uma legislação mais apertada contra as armas.
A procura por justiça destas famílias continua: ainda no início deste ano, ganharam um processo contra a fabricante da espingarda AR-15, Remington, que foi usada no tiroteio em Sandy Hooks. O acordo prevê uma indemnização de 73 milhões de dólares. Esta vitória inspirou outros processos por contornar uma lei de 2005 — apoiada pela NRA — que impede que os fabricantes de armas sejam responsabilizados pelas consequências dos crimes que utilizem as suas armas. Devido a essa imunidade federal, só em 2019 é que um tribunal aceitou o caso e foi devido à forma como aquela arma foi publicitada. Veronique de la Rosa considera que essa lei é “uma injustiça grosseira”.
“Isto é uma epidemia de segurança pública”, continuou. “As nossas prioridades estão tão distorcidas enquanto sociedade. Mas há sempre maneiras de endireitar o navio.”