Luta contra poluição da exploração petrolífera no Equador é liderada por jovens

Estudantes exigem em tribunal proibição do flaring, prática que consiste na queima do gás indesejado que escapa na extracção de petróleo. Comunidades na Amazónia associam poluição ao cancro.

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Estrutura de extracção de petróelo junto à zona do Lago Agrio, no coração da indústria petrolífera do Equador Guillermo Granja/Reuters

Quando a equatoriana Leonela Moncayo, de 11 anos, vê as chamas tremeluzir acima do dossel da floresta, perto da sua casa na floresta amazónica, a raiva deixa-a determinada a combater a poluição causada por décadas de exploração de petróleo.

Moncayo vive na cidade em ruínas de Lago Agrio, no coração da indústria petrolífera do Equador, onde os jovens estão a reivindicar a proibição do flaring - uma prática comum do sector petrolífero para queimar o gás natural indesejado que escapa durante a extracção de petróleo.

“Temo pelo meu futuro e o da minha família”, disse Moncayo à Thomson Reuters Foundation. “Vivemos da terra, somos agricultores. A água não é potável. A Amazónia e as suas riquezas estão a ser destruídas.

Existem centenas de chamas de gás espalhadas pelas províncias de Orellana, Sucumbios e Napo, no nordeste da Amazónia, que ficam entre encostas florestadas e vulcões activos.

Durante décadas, indígenas locais, comunidades agrícolas, activistas de direitos ambientais e advogados disseram que a queima causa sérios danos ao ambiente e à saúde, contaminando o ar e o abastecimento de água.

Lençóis brancos colocados a secar ficam cobertos de fuligem preta de um dia para outro, afirmam os moradores.

A queima do gás desperdiça energia que poderia ser usada se, em vez de ser desperdiçada, fosse capturada. Além disso, libera dióxido de carbono junto com metano e fuligem como gás residual, o que também contribui para o aquecimento global.

Como o governo do Equador planeia aumentar a produção de petróleo, os tribunais do país estão a começar a reconhecer as consequências tóxicas da queima.

Num caso histórico contra o governo apresentado por Moncayo e outras oito alunas, o tribunal provincial de Sucumbios decidiu que a prática de flaring violava os seus direitos constitucionais a um ambiente saudável. Como resultado, ordenou ao Ministério da Energia que eliminasse as chamas perto das áreas habitadas de Orellana e Sucumbios num prazo de 18 meses. A queima de gás em áreas rurais pode continuar a operar até 2030.

A lei dos direitos da natureza

No entanto, mais de um ano depois, a maioria das chamas continua a reluzir na floresta tropical, enquanto as comunidades exigem que o governo cumpra a decisão e forneça melhor acesso a serviços de saúde e água potável.

Os juízes também consideraram a lei equatoriana de “direitos da natureza” para rios e ecossistemas consagrada em constituição em 2008, e ordenaram ao Ministério da Energia que emitisse um pedido público de desculpas.

Esse raro pedido de desculpas foi dado por dois funcionários do ministério num evento no mês passado, num estádio em Lago Agrio, onde uma multidão de ambientalistas e estudantes se reuniram.

“Entendo o descontentamento. Todos nós temos famílias, todos temos filhos”, disse Diego Erazo, funcionário do Ministério da Energia.

Erazo disse que está em curso um plano de acção para remover as chamas na área e que a estatal Petroecuador e as petrolíferas estrangeiras “estão cientes” de que precisam usar tecnologias novas e mais limpas para mitigar o impacto ambiental.

Um relatório de Março do Ministério da Energia detalha um plano para eliminar 342 chamas activas na Amazónia até 2030.

Mas os jovens queixosos que processaram o governo estão a ficar impacientes e exigem que as autoridades cumpram as suas promessas.

“Queremos que o governo cumpra a decisão judicial”, disse Jamileth Jurado, de 14 anos, outra das meninas que apresentou a queixa legal. “Não precisamos de desculpas enquanto nossa saúde está sendo prejudicada. Precisamos que a poluição pare. Precisamos de ar e água limpos.”

Os receios do cancro

Os dados sobre as ligações entre a produção de petróleo e a saúde humana são insuficientes e inconclusivos, mas muitos moradores de Lago Agrio acham que a poluição da indústria de petróleo, incluindo as chamas, contribuem para várias doenças, entre elas o cancro.

A mãe de Jurado, Fanny Silva, 51, que foi diagnosticada com cancro de ovário há oito anos, disse acreditar que sua doença foi causada pela poluição emitida por chamas e produtos químicos - como a substância cancerígena benzeno - que penetram no solo e nos rios após um derrame de óleo.

“Vivemos a 500 metros de uma chama de gás. Ninguém está a salvo do cancro”, disse Fanny Silva, cujo cancro já está em fase de remissão.

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Protesto em Quito, capital do Equador, contra as explorações petrolíferas na Amazónia Johanna Alarcon/Reuters

Fanny Silva, como muitos pacientes com cancro, teve que ser atendida na capital, Quito, a cinco horas de carro, devido à falta de um serviço oncológico no hospital local.

A população local suspeita que a saúde de mulheres e raparigas seja mais afectada pela poluição do óleo porque elas passam mais tempo em contacto com a água enquanto lavam, cozinham e dão banho às crianças, disseram ambientalistas.

Estudos de saúde pública realizados em Sucumbios e Orellana, entre 2018 e 2021, por dois grupos ambientalistas - a União dos Atingidos pela Texaco (UDAPT) e a Clínica Ambiental -, sugeriram que as mulheres representavam 72% dos casos de cancro notificados, totalizando 354 em Setembro de 2021.

Uma revisão da literatura científica sobre perfuração de petróleo e problemas de saúde na Amazónia equatoriana, publicada em 2020, concluiu que os impactos na saúde das comunidades que vivem perto de poços de petróleo são “plausíveis e poderiam ter sido subestimados”.

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Crianças trabalham na limpeza de um derrame de petróleo no Parque Nacional de Cayambe Coca, no interior da Amazónia, no Equador. Neste derrame, no final de janeiro, foram atingidos pelo menos dois hectares de área protegida da floresta Nicolas Mainville/Amazon Frontlines/Reuters

Referindo-se a um estudo de 2009, a revisão observou uma alta incidência de leucemia, especialmente entre crianças pequenas, que mostra “uma possível relação entre leucemia e viver próximo a actividades de produção de petróleo bruto”.

Alberto Izzotti, cientista e especialista em prevenção do cancro, co-autor da revisão, afirmou que a falta de dados robustos significa que não se pode concluir que existe uma “relação causal” entre a doença e a produção de petróleo na região.

“Existem muitos factores de confusão, como estilo de vida, dieta, exposição à luz solar, que podem influenciar a correlação entre poluição por óleo e incidência de certos tipos de cancro que precisam de ser investigados”, disse Izzotti, professor de higiene, medicina preventiva e saúde pública da escola de medicina da Universidade de Génova, na Itália.

Chevron contra Lago Agrio

O Equador produz 530 mil barris de petróleo por dia, sendo que este produto representa a sua principal fonte de receita de exportação. A maior parte do petróleo é bombeada dos campos petrolíferos da Amazónia.

O esplendor do petróleo do Equador, na década de 1970, permitiu que estradas pavimentadas e oleodutos cortassem uma selva que alberga terras indígenas e zonas com maior biodiversidade do mundo. Hoje, o legado da perfuração de petróleo é visível. Milhares de poços abertos de resíduos de petróleo pela selva são o rasto deixado para trás.

Para os pais das crianças que assumiram a luta, a decisão judicial de 2021 contra a queima é uma nova frente na sua batalha legal de décadas para procurar justiça pelos danos ambientais causados ​​pelo sector petrolífero. “A luta é contra o Estado, pois é o Estado que concede licenças às companhias petrolíferas. Elas exploram o que querem e depois vão embora”, disse o activista Donald Moncayo, pai de Leonela e chefe do grupo UDAPT.

“Nós moramos aqui, esta é a nossa casa. Trinta mil pessoas são directamente afectadas pela contaminação e não têm água potável, mas é realmente todo o planeta que é afectado”, disse Moncayo.

Os moradores de Lago Agrio lutam nos tribunais há anos para forçar a petrolífera americana Chevron Corp a pagar pela contaminação da água e do solo no Equador de 1964 a 1992 pela Texaco, empresa que a Chevron adquiriu em 2001.

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O derrame no Parque Nacional de Cayambe-Coca, no final de Janeiro, foi provocado por deslizamento de terras, na sequência de chuvas intensas. Foram derramados cerca de 6.300 barris de petróleo Nicolas Mainville/Amazon Frontlines/Reuters

Em 2011, um tribunal equatoriano ordenou que a Chevron pagasse 8,65 mil milhões de dólares de indemnização. Contudo, um tribunal dos EUA bloqueou a aplicação [da pena] vários anos depois. Os activistas estão a lutar até hoje para que a poluição por petróleo e os poços sejam devidamente limpos.

Junto com sua filha, Moncayo está encorajar uma nova geração de líderes a lutar contra a poluição petrolífera. Para isso, organiza workshops para cerca de 200 jovens sobre direito e liderança

Enquanto as chamas laranja brilham sem parar no céu, os jovens ambientalistas prometem manter a pressão. “O que está a acontecer aqui é um crime”, disse Leonela Moncayo. “Vamos continuar a lutar pelas gerações futuras.”

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