A Europa está realmente empenhada em assegurar um futuro sustentável?
Reunimos os contributos dos cidadãos na Conferência Sobre o Futuro da Europa e pedimos a Francisco Guerreiro e a Francisco Ferreira para reflectirem sobre a sustentabilidade do continente.
Eis que chegou ao fim a Conferência Sobre o Futuro da Europa (CoFoE), o ambicioso fórum que colocou os cidadãos a definir o futuro da União Europeia (UE), resultando num documento com 49 propostas divididas por 225 medidas concretas.
Tendo a sustentabilidade como uma das principais preocupações do relatório, os europeus pediram uma aposta mais forte nas energias renováveis e na economia circular, uma mudança cultural na mobilidade e estratégias para a agricultura e a biodiversidade. O projecto do PÚBLICO sobre a CoFoE vai agora entrar na derradeira fase, focando-se no último tema a abordar: o da Sustentabilidade (crise climática, meio ambiente e saúde).
Este painel está relacionado com “os efeitos das alterações climáticas, as questões ambientais e os novos desafios no domínio da saúde para a União Europeia”, como se lê na página da CoFoE. Estes temas estão igualmente relacionados com “os objectivos e as estratégias da UE, como a agricultura, os transportes e a mobilidade, a energia e a transição para sociedades pós-carbono, a investigação, os sistemas de saúde, as respostas às crises sanitárias, a prevenção e os estilos de vida saudáveis e as missões no âmbito do Horizonte Europa destinadas a resolver alguns dos maiores desafios com que o nosso mundo se confronta, como a luta contra o cancro, a adaptação às alterações climáticas, a protecção dos nossos oceanos, a vida em cidades mais ecológicas e a garantia da saúde dos solos e a alimentação”. Afinal, quais são as grandes questões que se colocam?
Como promover a agricultura sustentável?
Logo a abrir as recomendações, os cidadãos pedem que a economia verde — e a azul, para a pesca — sejam as produções preferenciais da União Europeia. Defendem uma aposta na agricultura biológica e noutras “formas inovadoras e sustentáveis”, como a agricultura vertical, e apelam a que os subsídios sejam direccionados para produções sustentáveis.
Este é um dos desafios mais sérios que a União Europeia tem pela frente, se quiser garantir a sustentabilidade do seu futuro, não só agrícola.
Como ter segurança alimentar?
A CoFoE deliberou a aplicação dos “princípios da economia circular” na agricultura e a promoção de “medidas contra a desperdício alimentar”. Os europeus querem também “reduzir significativamente o uso de pesticidas e fertilizantes químicos” para garantir a “segurança alimentar” e pedem uma “criação racional” de carne, que priorize o “bem-estar animal e a sustentabilidade”.
Como alterar a produção energética?
Com o assunto a marcar a vida colectiva da Europa, os cidadãos têm várias recomendações para assegurar uma transição ecológica, pedindo uma aposta na segurança energética e nas energias renováveis ou menos poluentes.
O objectivo passa por “reduzir a dependência das importações de petróleo e gás por meio de projectos com eficiência energética”, ou, por outras palavras, caminhar no sentido da autonomia estratégica, uma expressão que tem marcado discussões recentes.
A transição energética é mais urgente do que nunca?
“Até devido aos eventos geopolíticos, a transição para uma economia descarbonizada, com energias 100% limpas, renováveis e endógenas, produzidas de modo descentralizado, devia ser uma prioridade”, afirma ao PÚBLICO o eurodeputado Francisco Guerreiro (grupo Verdes/ALE), considerando que a transição energética “não tem sido uma prioridade”, nem mesmo perante as consequências da guerra na Ucrânia.
“Vamos fazer uma substituição até ao final do ano de petróleo russo, mas vamos substituí-lo por outras fontes petrolíferas”, critica. A guerra parece estar longe de contribuir para a Europa cumprir as metas estabelecidas para a sua própria descarbonização.
Atingir a neutralidade carbónica em 2050 é suficiente?
Apesar de a meta definida pela Comissão Europeia ter sido por muitos classificada de utópica, Francisco Ferreira, professor na área do ambiente na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, considera que a União devia ser “ainda mais ambiciosa”.
“Deveríamos atingir a neutralidade climática em 2040 e não em 2050 e o objectivo de redução das emissões para 2030 devia ser 65% e não 55%”, afirma ao PÚBLICO o presidente da Associação Zero, lembrando que as Nações Unidas defendem a neutralidade climática até a 2044 à escala mundial.
“Isso significa que há uma responsabilidade maior dos países desenvolvidos, que historicamente tem maior volume de emissões e por isso devem atingir a meta antes”, revela.
É preciso mudar os hábitos?
A plenária da Conferência Sobre o Futuro da Europa recomenda um reforço da ferrovia e uma “mudança cultural nos contextos urbanos, desde o automóvel individual até aos transportes públicos, à partilha de automóveis eléctricos e às bicicletas”.
Nessa mudança, os cidadãos pedem campanhas de sensibilização ecológica e políticas que incentivem a construção de produtos mais resilientes e amigos do ambiente.
Como garantir a protecção da biodiversidade?
São igualmente várias as recomendações que visam a protecção da natureza: os europeus pedem um aumento das áreas protegidas (e uma melhor gestão), apoios à reflorestação, a criação de um sistema de multa/recompensa de combate à poluição e o lançamento de campanhas de protecção de insectos.
É preciso ter uma política europeia coerente?
O eurodeputado Francisco Guerreiro denuncia as incoerências na política europeia em matéria de sustentabilidade: se por um lado a Comissão Europeia incentiva a produção sustentável através de estratégias como Do Prado Ao Prato; por outro, a Política Agrícola Comum (PAC) ou o Fundo dos Assuntos Marítimos continua a subsidiar a “produção intensiva de alimentos em modos que não são benéficos para a biodiversidade”.
“Se não mudarmos estruturalmente o modo como produzimos comida, vamos agravar os problemas ambientais”, conclui o antigo eurodeputado do PAN.
A Europa tem de agir?
O ambientalista Francisco Ferreira acredita a União tem de ser “mais ambiciosa e incisiva” e ter “mais capacidade de acção”. Tal como o eurodeputado, o engenheiro do ambiente também critica a falta de uma “abordagem coerente” para as políticas europeias, que financiam tanto programas “que vão no caminho certo” como outros que “não salvaguardam o ambiente”, como a PAC.
“Notamos que, apesar das intenções, em muitas áreas, quando chega a decisão final e olhamos para o efeito de outras políticas, ficamos muito aquém do que seria desejável”, lamenta.