João Rendeiro encontrado morto na cadeia
O ex-banqueiro estava detido, na África do Sul, deste 11 de Dezembro de 2021. “Liberdade ou morte”, tinha escrito numa carta que fez publicar um mês antes. Ministério Público sul-africano diz que a advogada June Marks informou esta semana que ia deixar de representar o ex-banqueiro e que foi por isso que Rendeiro foi chamado para ir a tribunal esta sexta-feira.
O antigo presidente do BPP João Rendeiro foi, esta sexta-feira, encontrado morto na cadeia onde estava detido, na África do Sul, noticiou a CNN e o PÚBLICO confirmou junto da sua advogada sul-africana.
Ao PÚBLICO, June Marks disse que o ex-banqueiro foi encontrado enforcado e que as autoridades estão a investigar as circunstâncias da morte, uma vez que, supostamente, dividia a cela com cerca de 50 reclusos. June Marks disse que a sessão preparatória relativamente ao processo de extradição para Portugal, que estava marcada para dia 20 de Maio, tinha sido antecipada para esta sexta-feira e que o ex-banqueiro foi encontrado morto pelos guardas que o iam transportar para o tribunal. O julgamento do processo de extradição estava agendado para decorrer entre 13 e 30 de Junho.
Natasha Ramkissoonn, porta-voz da Procuradoria-Geral da República de África do Sul, também disse que as circunstâncias da morte de João Rendeiro terão de ser apuradas, uma vez que estava à guarda da prisão de Westville. No entanto, dá uma versão diferente sobre a ida do ex-banqueiro ao tribunal.
Segundo Natasha Ramkissoonn, a PGR sul-africana recebeu, no início desta semana, uma notificação de June Marks a dizer que ia deixar de representar João Rendeiro. Foi nesse sentido que as autoridades sul-africanas decidiram chamar, esta sexta-feira, o ex-banqueiro a tribunal para poderem tratar das questões legais sobre a substituição da advogada e perceber se estaria tudo organizado para realizar a audiência preparatória da extradição que se mantinha marcada para o dia 20 de Maio.
O ex-banqueiro estava detido, na África do Sul, desde 11 de Dezembro de 2021, fazia esta sexta-feira precisamente cinco meses e dois dias.
Antes de as autoridades terem descoberto o seu paradeiro, Rendeiro deu uma entrevista à CNN Portugal e ao jornal Tal e Qual em que garantiu que só voltaria a Portugal se fosse ilibado ou se o Presidente da República o indultasse. “Como nunca paguei nada a ninguém e não tenho segredos de Estado, sou um poderoso fraco”, afirmava em Novembro passado. E reafirmava aquilo que já tinha escrito numa carta publicada no mesmo jornal: “Liberdade ou morte”. Na sua primeira audição pela justiça sul-africana, a 14 de Dezembro passado, garantiu aos jornalistas presentes em tribunal que não iria regressar a Portugal.
Nascido em 1952, em Lisboa, João Rendeiro cresceu em Campo de Ourique, filho de uma família originária de Aveiro. O pai tinha uma sapataria no bairro lisboeta, enquanto a mãe geria os apartamentos que a família comprava com as poupanças e depois arrendava. Fez a escola primária nos Salesianos, tendo depois frequentado os liceus Pedro Nunes e D. João de Castro.
Milionário aos 30 anos
Depois de uma licenciatura no Instituto Superior de Economia e Gestão doutorou-se em Economia pela Universidade de Sussex, no Reino Unido. A fortuna, começou a fazê-la nos anos 90, quando vendeu a Gestifundo, um fundo de investimentos criado em 1986, ao Banco Totta, transformando os 25 mil euros que tinha pago inicialmente pelo investimento em 15 milhões. Ficou milionário aos 30 anos.
Depois de cinco anos no Totta, com um bom ordenado, quando voltou a leccionar na faculdade pegou na ideia de um aluno de lançar uma marca de águas chamada Frize, que acabaria por vender à Compal. Cria o Banco Privado Português em 1996. Entre os accionistas do banco dos ricos contam-se Francisco Balsemão, Stefano Saviotti, a família Vaz Guedes (dona da Somague) e a família Serrenho (dona da CIN). Joe Berardo também fazia parte deste grupo, mas em 1998 tira de lá o dinheiro, por suspeitar de práticas pouco transparentes. Quando o declarou publicamente, Rendeiro processou-o, pedindo-lhe uma indemnização de 150 mil euros. O banco acabaria por perder a licença para operar em 2010.
Actualmente João Rendeiro tinha três mandados de detenção europeus e internacionais em seu nome. Em Portugal, o ex-banqueiro foi condenado três vezes em tribunal. Num dos processos, o tribunal deu como provado que João Rendeiro retirou 13,61 milhões de euros do BPP e condenou-o a dez anos de prisão efectiva.
O ex-banqueiro e os restantes arguidos recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa que, no dia 23 de Fevereiro, confirmou as condenações. Recorreram outra vez para o Supremo Tribunal de Justiça, onde os recursos ainda estavam pendentes.
Foi no âmbito deste processo que a juíza emitiu um mandado de detenção europeu e internacional quando João Rendeiro avisou o tribunal de que não voltaria a Portugal. Mas o ex-banqueiro já tinha também uma pena de cinco anos e oito meses de prisão efectiva para cumprir, por falsificação informática e falsificação, sentença que já transitou em julgado e no âmbito da qual também lhe foi emitido outro mandado de detenção internacional e europeu.
O terceiro mandado de detenção foi emitido no dia 15 de Dezembro pelo juiz Francisco Henriques, que a 28 de Setembro tinha condenado o ex-banqueiro a três anos e seis meses de prisão efectiva por um crime de burla qualificada.
Este mandado de detenção tinha como objectivo a comparência de João Rendeiro em tribunal para alterar as medidas de coacção, mas visava também cumprir o “princípio da especialidade”, ou seja, segundo explicou um dos advogados deste processo ao PÚBLICO, o juiz queria acautelar que esta condenação seria incluída no pedido de extradição de João Rendeiro para que, caso regressasse a Portugal, pudesse cumprir a pena, embora esta ainda estivesse em fase de recurso.
O “princípio da especialidade” é uma norma que prevê que uma pessoa entregue em cumprimento de um mandado de detenção “não possa ser sujeita a procedimento penal, condenada ou privada de liberdade por uma infracção praticada em momento anterior à sua entrega e diferente daquela que motivou a emissão do mandado”. Se este processo não fizesse parte do pedido de extradição, a defesa poderia, mais tarde, contestar o cumprimento desta pena.
Esta decisão diz respeito a um processo em que o embaixador Júlio Mascarenhas exigia que João Rendeiro e os outros dois ex-administradores do BPP, Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital, fossem condenados a pagar-lhe uma indemnização de mais de 377 mil euros.
No âmbito do processo em que o ex-banqueiro foi condenado a dez anos de prisão, os lesados do BPP fizeram um pedido de indemnização civil de 29.539.629,08 euros, aprovado pela presidente do colectivo de juízes, Tânia Loureiro Gomes, e que os arguidos terão de pagar solidariamente.
Além de João Rendeiro, também foram condenados neste processo os ex-administradores do banco Salvador Fezas Vital e Paulo Guichard, ambos a nove anos e seis meses de cadeia, e Fernando Lima a seis.
124 obras de arte apreendidas em 2010
Cada arguido terá também de pagar juros de mora ao Estado por fuga aos impostos. Em causa estão 4,9 milhões de euros por parte de João Rendeiro, 3,3 milhões de euros de Fezas Vital, 1,05 milhões de euros de Paulo Guichard e quase 346 mil euros de Fernando Lima.
Com a morte de João Rendeiro extingue-se o procedimento criminal, mas não as decisões dos pedidos cíveis. Por isso, segundo fonte ligada ao processo, os bens que o ex-banqueiro deixa vão servir para pagar as indemnizações que foi condenado a pagar.
Recorde-se que, para garantir o pagamento da indemnização, no âmbito do processo a que foi condenado a 10 anos, além de 124 obras de arte apreendidas em 2010, foram arrestados a João Rendeiro quatro imóveis — uma vivenda e um terreno na Quinta Patino, um apartamento em Lisboa e outro em Paço de Arcos —, assim como 1,5 milhões de euros em numerário, contas e activos bancários.