Grupo técnico retira aborto voluntário dos indicadores de avaliação dos médicos de família
Decisão foi comunicada à ministra da Saúde esta quarta-feira ao final do dia. Em causa estava a proposta de introdução dos critérios de ausência de interrupção voluntária da gravidez e de doenças sexualmente transmissíveis nas mulheres nos índices de avaliação das unidades de saúde familiar modelo B.
A decisão foi tomada esta quarta-feira, por unanimidade, pelo grupo técnico: foram retiradas as propostas de inclusão dos critérios de ausência de interrupção voluntária da gravidez (IVG) e de doenças sexualmente transmissíveis (DST) no índice de planeamento familiar nas mulheres em idade fértil, que serve para calcular a componente remuneratória variável das equipas das Unidades de Saúde Familiar Modelo B (USF-B). A decisão foi comunicada à ministra da Saúde esta quarta-feira ao final do dia.
O tema marcou o início da semana e grande parte da discussão do Orçamento de Estado para a saúde. Médicos e associações de mulheres consideraram que a inclusão destes dois indicadores é discriminatória e não faz sentido penalizar os médicos. A proposta ainda estava em análise no Ministério da Saúde, que garantiu que o direito à IVG não está em causa. Mas caiu esta quarta-feira, anunciou o Expresso e confirmou o PÚBLICO.
“A partir do momento em que há médicos e enfermeiros, nomeadamente representantes sindicais e o bastonário [da Ordem dos Médicos] que referiram que o indicador podia influenciar a prática médica ou de enfermagem, podendo limitar a mulher a seguir com a sua vontade de seguir com uma IVG, os indicadores tinham de ser retirados”, disse ao PÚBLICO João Rodrigues, coordenador para a reforma dos cuidados de saúde primários.
O médico defende que estes continuam a ser “indicadores de resultado de qualidade”, mas que “perante as posições de médicos e enfermeiros a dizerem que poderiam influenciar a má prática, só poderiam ser retirados”. “Bastava um profissional fazer isso para que o indicador fosse um mau indicador, neste caso um mau indicador social e comportamental”, afirma, referindo que existirão outras maneiras de se poder encontrar uma estratégia de estimular a boa prática.
Esta noite, o grupo técnico enviou uma nota onde reconheceu que “os indicadores em causa são susceptíveis de leituras indesejáveis”. E na qual fez “um pedido de desculpas a todas as mulheres que se sentiram ofendidas com esta proposta, reforçando a necessidade de continuar a defender medidas que assegurem o acesso à informação, a métodos de contracepção eficazes e seguros, a serviços de saúde que contribuem para a vivência da sexualidade de forma segura e saudável, independentemente do género”.
Na mesma nota explicou que o trabalho do grupo técnico “centrou-se na adequação dos critérios de avaliação, permitindo uma avaliação mais sensível e actualizada das boas práticas clínicas, tendo por base medir resultados em saúde e não apenas resultados de processos”. “Nesse sentido, os indicadores ‘Ausência de IVG’ e ‘Ausência de ITS [infecções sexualmente transmissíveis]’, em termos técnicos, são indicadores que visavam promover uma mais eficaz intervenção dos Médicos de Família e enfermeiros nas actividades de educação sexual e planeamento familiar, nunca beliscando, de todo, o direito à IVG, nomeadamente a liberdade e o direito de escolha das mulheres.”
Também esta quarta-feira, o BE apresentou uma proposta de projecto de lei para alargar o planeamento familiar a todas as pessoas em idade fértil, em vez de estar apenas disponível para as mulheres. No diploma que entregou no parlamento, e que se for aprovado entra em vigor no dia a seguir à sua publicação, o BE lembra que a IVG é “um direito que depende unicamente da vontade e decisão da pessoa grávida” e que não pode ser “subalternizado por critérios técnicos ou reduzido a um mero resultado em saúde”.
Também vários deputados do PS enviaram um conjunto de perguntas dirigidas à ministra da Saúde, documento em que exigem absoluto respeito pelo livre recurso à IVG, adiantou a agência Lusa. A iniciativa é assinada pelos deputados socialistas Pedro Delgado Alves, Miguel Matos e Joana Sá Pereira, a ex-ministra Alexandra Leitão e Isabel Moreira, constitucionalista e membro do Secretariado Nacional do PS, que considerou que as respostas dadas pela ministra da Saúde no debate do Orçamento ao tema foram insuficientes.
“Se ainda não está tomada uma decisão, não ficou clara a rejeição do critério que, para nós, não pode ser validado”, frisavam no texto entregue antes de ser conhecida a decisão do grupo técnico de abandonar estes dois indicadores. O texto refere que “os deputados e deputadas abaixo-assinados recusam liminarmente que a inexistência de interrupção de gravidez possa ser critério de avaliação de médicos, de USF ou de qualquer tipo de serviço de saúde”. “Não aceitamos, desde logo, que a existência de uma mulher com IVG seja interpretada como ausência de planeamento familiar. Em todos os casos, é sempre uma mulher que exerceu um direito. Não cabe ao Estado inferir as causas.” Com Lusa