Comissão que investiga abusos sexuais na Igreja vai enviar mais casos ao Ministério Público
Comissão recebeu mais de trezentas queixas que podem envolver muitas centenas de vítimas. “Somando o número de pessoas que estas testemunhas dizem ter conhecimento de também terem sofrido abusos este número sobe para muitas centenas de crianças.”
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Menores na Igreja (CIEAMI) vai enviar novas denúncias de alegados abusos sexuais, que ainda não terão prescrito, para o Ministério Público. A informação foi avançada esta terça-feira pelo coordenador da comissão, Pedro Strecht, aos jornalistas à margem de um colóquio organizado por aquele grupo de trabalho, em Lisboa.
Até ao momento, 16 denúncias validadas pela CIEAMI foram encaminhadas para o Ministério Público. Pedro Strecht não avançou, contudo, quantas se vão juntar às que já foram enviadas.
“Já manifestei o desejo de celeridade da resposta da justiça portuguesa. Nem sempre é aquele que desejamos, mas neste caso é muito importante chegarmos ao final do trabalho, apresentarmos o relatório e, mesmo que seja preciso algum tempo, as pessoas sentirem que no aspecto de uma justiça reparadora aconteceu algo. Enquanto coordenador da comissão, não desejo chegar ao final destes trabalhos, decorrer algum tempo que ainda possamos achar justo e, depois, ser confrontado com uma total ausência de respostas jurídicas”, explicou.
A comissão que estuda os abusos sexuais na Igreja validou, até ao final do dia de segunda-feira, um total de 326 depoimentos, revelou a socióloga Ana Nunes de Almeida, também membro do grupo, no mesmo colóquio.
As vítimas são sobretudo homens, foram encontrados testemunhos de pessoas de todas as idades e de todas as escolaridades, adiantou ainda Ana Nunes de Almeida. Apesar disso, são mais escassos os casos de abusos sexuais reportados nas pessoas com um nível de escolarização mais elevado. Os testemunhos dizem respeito a abusos que terão sido cometidos desde 1950.
O último balanço da CIEAMI foi feito no início de Abril e dava conta de 290 testemunhos validados. Em entrevista ao PÚBLICO na semana passada, o psiquiatra Daniel Sampaio referiu que já se contavam mais de três centenas de abusos reportados.
O número de abusos poderá ser ainda maior, ressalvou Ana Nunes de Almeida. “Somando o número de pessoas de que estas testemunhas dizem ter conhecimento de também terem sofrido abusos este número sobe para muitas centenas de crianças.”
Daniel Sampaio garantiu também que se trata de testemunhos “verídicos e credíveis”. “Quem lê os testemunhos e quem fez as entrevistas presenciais não põe em causa os testemunhos. Ninguém inventa uma história daquelas. Temos a certeza de que são depoimentos verídicos, credíveis e de um grande sofrimento.”
D. José Ornelas reitera pedido de perdão
O grupo de trabalho, que na última conferência de imprensa revelou que cinco dos 21 bispos das dioceses portugueses ainda não tinham respondido aos pedidos de entrevista, referiu ainda que as reuniões com os bispos “estão a decorrer em muito bom ritmo”. “Queremos saber como encaram e quais as prioridades para as dioceses que coordenam e também qual a experiência de contacto com abusos”, esclareceu a socióloga.
O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), D. José Ornelas, reiterou o pedido de perdão às vítimas de abusos sexuais por membros ligados à Igreja Católica e agradeceu também a coragem dos que foram capazes de denunciar esses abusos.
À margem da conferência, o bispo de Leiria/Fátima admitiu, quando questionado pelos jornalistas, que há espaço para afastamentos de funções de padres no activo que tenham cometido abusos, “desde que haja credibilidade” da acusação. Desde que a comissão foi criada ainda nenhum clérigo foi afastado, adiantou também.
O colóquio cujo tema foi o “Abuso sexual de crianças: conhecer o passado, cuidar do futuro” prolongou-se durante todo o dia desta terça-feira e contou também com a transmissão em vídeo de uma mensagem do Presidente da República.
Marcelo Rebelo de Sousa lembrou as palavras do Papa Francisco da semana passada: “tem um impacto devastador a existência de abusos na vida dos pequenos, o que contrasta com os esforços de quantos procuram responder com amor e compreensão” e “condenou como inaceitável qualquer forma de abuso, mas com especial veemência o abuso sexual sobre crianças porque ofende a vida no momento do seu desenvolvimento”. “Eu não posso dizer mais do que diz o Papa Francisco”, rematou, recordando que acompanha o trabalho da comissão independente em Portugal.
As denúncias e testemunhos podem chegar à comissão através do preenchimento de um inquérito online em darvozaosilencio.org, através do número de telemóvel +351917110000 (diariamente entre as 10h e as 20h), por correio electrónico, em geral@darvozaosilencio.org e por carta para “Comissão Independente”, Apartado 012079, EC Picoas 1061-011 Lisboa.