Por amor às tartarugas, Sara faz voluntariado para as salvar das alterações climáticas
Sempre adorou animais, mas é pelas tartarugas que Sara Teles nutre um interesse especial. No ano passado, esta enfermeira veterinária trocou o Porto por Cabo Verde para estudar e salvar tartarugas-marinhas. A próxima paragem é a Indonésia.
Sara Teles sempre adorou animais. Cães, gatos, pássaros, tubarões, borboletas, peixes, abelhas e até mesmo moscas, mas é pelas tartarugas que passa temporadas em missões de voluntariado noutros países.
Em 2021, e em pleno confinamento, esta enfermeira veterinária do Porto interrompeu durante um ano o mestrado em Ecologia e Ambiente na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e ficou a aguardar que os voos para o continente africano fossem retomados. “Sabia que tinha de dedicar um ano da minha vida [a uma tese de mestrado sobre um dado assunto] e quis fazê-lo com uma espécie de que realmente gostasse e me sentisse confortável estudar. As tartarugas foram a minha escolha, tendo em conta o impacto das alterações climáticas nesta espécie em particular”, começa por explicar, em entrevista ao P3.
Entre Junho e Outubro, Sara foi voluntária na associação Bios.CV, na praia de João Barrosa, na ilha da Boavista, em Cabo Verde. Os turnos, sempre nocturnos, das 20h às 2h ou das 3h às 9h, coincidiam com o momento em que as tartarugas saíam do mar em direcção à praia para depositar os ovos.
Durante o voluntariado conheceu pessoas de todo o mundo – ligadas à ciência ou simplesmente curiosas –, unidas pelo amor às tartarugas-marinhas. Adquiriu novas competências, partilhou experiências e enfrentou desafios a nível profissional e pessoal.
Nestes meses, fez de tudo: patrulhou diariamente os cinco quilómetros de praia, salvou tartarugas presas em linhas de pesca ou caídas atrás das rochas, mediu as carapaças, colocou microchips nas que não tinham, protegeu os ovos e assistiu “à parte mais bonita que é o nascimento das tartarugas bebés”. Em grupos de cinco, uniram esforços para devolver estes animais, com quase 100 quilos, ao mar.
Se há cerca de dez anos eram ameaçadas pelos caçadores locais e capturadas para consumo humano, hoje estas tartarugas quase centenárias enfrentam o problema das alterações climáticas. O aquecimento global tem aumentado a temperatura da areia, prejudicando o eclodir dos ovos que, explica a voluntária de 33 anos, podem até ficar cozidos.
“A ilha da Boavista está muito próxima do Senegal, o clima é muito seco, muito quente e tem mesmo características do deserto do Sara. É muita areia, muita rocha, o chão quase partido, ou seja, é muito desértico”, descreve. Os cientistas acreditam que as características do local podem influenciar o sexo das espécies, uma vez que as tartarugas fêmeas são mais toleráveis ao aumento das temperaturas. Os machos só nascem se as temperaturas forem iguais ou inferiores a 29ºC e a verdade é que se tem verificado uma diminuição desta população.
Tartarugas podem adaptar-se às alterações climáticas
Em relação ao futuro da espécie, a enfermeira veterinária acredita que as tartarugas se podem adaptar às alterações climáticas se anteciparem o momento da desova e depositarem os ovos quando as temperaturas estão mais baixas. Por outro lado, se a sensação térmica se mantiver sempre alta, a espécie passa a estar comprometida.
No ano passado, a Bios.CV contabilizou mais de 33 mil ninhos, cada um com uma média de 50 ovos. Os que poderiam ser levados pela maré foram resgatados pelos voluntários e colocados nas zonas de incubação controlada na reserva natural da praia; os restantes permaneciam no ninho, uma cova com uma forma semelhante a uma lâmpada invertida criada pelas mães. Dentro do ninho, “os ovos que estão na parte exterior da câmara estão mais frios” e é mais provável que deles nasçam machos, enquanto os da “parte inferior estão mais quentes”, dando possivelmente origem a fêmeas.
É certo que os machos estão a desaparecer devido ao aquecimento global, mas ainda não há uma previsão de quando tal poderá acontecer. É nesta incógnita que Sara pretende focar a dissertação de mestrado: “Quero fazer uma espécie de previsão de futuro para os próximos 35 anos e tentar perceber se as tartarugas que nasceram no passado vão poder ou não fazer a desova na praia de João Barrosa.”
Ainda assim, esclarece, o futuro desta espécie também está nas mãos das associações ambientais e da população local que aderiu em massa à necessidade de salvar estes animais. Durante a estada, nunca viu uma tartaruga ser capturada nem indícios de que tal pudesse ter acontecido. “Quando eles caçam, matam a tartaruga, desmancham-na e deixam ficar as carapaças, mas ali isso não aconteceu.”
A relação de proximidade entre seres humanos e tartarugas não é igual à de um cão, gato ou qualquer outro animal doméstico. Ainda que inofensivas, as tartarugas, enquanto animais selvagens, não precisam de ter contacto com as pessoas. O trabalho, sempre silencioso para não perturbar a espécie, tinha como única finalidade estudar o comportamento destes répteis. “O único momento em que lhes tocávamos era mesmo só para verificar se tinham microchip e medir a carapaça. O impacto tem de ser o mínimo possível porque qualquer perturbação pode ser suficiente para elas não voltarem àquele sítio e não é isso que nós pretendemos.”
Conciliar o trabalho com a investigação não é, de todo, fácil. Sara trabalha 40 horas por semana durante noite no serviço de urgência do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, pelo que não lhe sobra muito tempo para aprofundar o estudo sobre a espécie. No futuro, que espera próximo, planeia dedicar-se “a 100% à área da investigação na área das tartarugas-marinhas”. A experiência correu tão bem que em Setembro viaja para o Bali, na Indonésia, para outro projecto de voluntariado com a North Bali Reef Conservation.