Hambúrgueres produzidos por fungos podem salvar florestas

Substituir um quinto da carne que as pessoas comem por proteínas produzidas por microrganismos pode reduzir pela metade a desflorestação no planeta até 2050, sugere um estudo da Nature.

Foto
Substituição de um quinto do consumo de produtos bovinos pode salvar metade das florestas até 2050 Mafe Estudio/Unsplash

Substituir um quinto da carne que as pessoas comem por proteínas produzidas por microrganismos pode reduzir pela metade a desflorestação no planeta, sugere um estudo publicado na revista científica Nature. Esta projecção exigiria, contudo, que a população substituísse até 2050 parte do consumo de bifes de vaca (e outros ruminantes) por uma biomassa nutritiva rica em proteínas.

A chamada “proteína microbiana” é produzida com a ajuda de fungos que, uma vez em dentro de tanques com condições especiais, promovem a fermentação. Os investigadores garantem que a textura é semelhante à da carne bovina. E o mais importante: trata-se de uma biotecnologia “segura” que já existe há mais de duas décadas. A lógica do método é semelhante à da produção do pão ou da cerveja. Se estiverem “felizes” num ambiente com açúcar e temperatura estável, os fungos têm as condições ideais para “trabalharem” bem e produzirem este substituto da carne.

“A proteína microbiana é produzida em bio-reactores aquecidos (temperatura entre 25 e 30°C), ou seja, a fermentação fúngica ocorre sob condições controladas. Além disso, a micoproteína é considerada segura pela Food and Drug Administration (FDA) desde 2002”, explicou ao PÚBLICO Florian Humpenöder, cientista do Instituto Potsdam de Pesquisa sobre o Impacto Climático (PIK, na sigla em alemão) e autor principal do estudo. A FDA é a agência dos Estados Unidos que regula a produção e comercialização de remédios e alimentos.

A equipa de cientistas fez projecções tendo em conta o uso do solo em cenários diferentes de substituição de carne bovina por proteína microbiana. O objectivo era determinar os impactos ambientais e climáticos no planeta se reduzirmos o consumo de carne de ruminantes. Os cenários simulados em computador têm em conta o crescimento da população até 2050, a necessidade correspondente de alimentos, os padrões alimentares, bem como a dinâmica do uso do solo.

Foto
Cientistas garantem que a proteína microbiana (à esquerda) tem textura semelhante à da carne bovina (à direita) Thomas Linder/DR

Embora a substituição de 20% da proteína de ruminantes do mundo possa deter aumentos na área de pastagem global, além de reduzir emissões de metano e gás carbónico, também exigiria que alternativas fossem encontradas para suprir a necessidade de produtos animais não alimentícios, como couro e fertilizantes.

“A substituição da carne de ruminantes por proteína microbiana no futuro poderia reduzir consideravelmente a pegada de gases de efeito estufa do sistema alimentar”, diz Humpenöder. “A boa notícia é que as pessoas não precisam ter medo ter de comer só plantas no futuro. Vamos poder continuar a comer hambúrgueres e coisas do género, só que esse alimento proteico será produzido de uma maneira diferente”, propõe o autor do estudo.

O artigo publicado na Nature também prevê que, à medida que os humanos abram cada vez mais mão da carne bovina, os ganhos na diminuição da desflorestação decrescem. Num cenário em que 50% do consumo de bifes de ruminantes é substituído por proteína microbiana, a redução do abate das florestas abranda.

Vale lembrar que existem hoje vários tipos de substitutos de carne no mercado, incluindo produtos à base de plantas, como hambúrgueres de soja, além de células de carne cultivadas em laboratório. O estudo conduzido no instituto alemão dedicou-se a uma terceira categoria, a das proteínas derivadas de micróbios e fermentadas.

“[A proteína microbiana] já está disponível em supermercados de diferentes países por exemplo, do Reino Unido ou da Suíça”, explica num comunicado Isabelle Weindl, co-autora e também investigadora do instituto alemão. Para Weindl, o mais importante é que a proteína microbiana tem a sua produção mais dissociada da agricultura.

“Os nossos resultados mostram que, mesmo considerando o açúcar como matéria-prima, a proteína microbiana requer muito menos terras agrícolas se comparada com a carne de ruminantes para produzir a mesma matéria proteica”, acrescenta a investigadora.

Alexander Popp, líder do grupo dedicado à gestão do uso do solo no PIK, sublinha num comunicado que a biotecnologia oferece soluções promissoras para os desafios colocados pela crise climática e pela preservação de ecossistemas. “As alternativas às proteínas animais, incluindo substitutos para produtos lácteos, podem não só contribuir para o bem-estar animal mas também economizar água e retirar pressão sobre ecossistemas biodiversos”, afirma Popp, co-autor do estudo.

Um dos desafios do processo de produção da proteína microbiana é o consumo de energia envolvido. Os tanques de fermentação, também chamados de bio-reactores, exigem electricidade para fornecer aos fungos as condições ideais para a fermentação.

“Uma grande transformação do sistema alimentar requer uma descarbonização em larga escala da geração de electricidade. No entanto, se fizermos isso correctamente, a proteína microbiana pode ajudar os amantes da carne a abraçar a mudança. Isso pode realmente fazer a diferença”, acredita Popp.