O financiamento do emprego científico em Portugal ao longo das últimas décadas
As instituições de ensino superior e investigação sabem perfeitamente que muitos dos seus investigadores desempenham necessidades permanentes, mas tentam não admitir isso publicamente, porque simplesmente não têm dinheiro para assegurar essa obrigação contratual.
A Associação Nacional dos Investigadores em Ciência e Tecnologia (ANICT) lançou recentemente uma consulta pública onde apresenta a sua proposta de solução (pelo menos parcial) do problema da falta de oportunidades de carreira para investigadores doutorados em Portugal. Para se perceber melhor este problema, talvez seja necessário fazer uma breve resenha histórica de como evoluiu e, acima de tudo, como se financiou a atividade científica em Portugal, nos últimos 20 anos, para se perceber melhor a pertinência da sugestão. Sendo certo que existem outras fontes de financiamento, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) foi central para o desenvolvimento da capacidade científica nacional, pelo que este artigo será fundamentado apenas nos dados públicos descritos nos vários relatórios de atividades anuais da FCT.
Até finais de 2007, um recém doutorado que pretendesse seguir, como atividade profissional em Portugal, a investigação científica tinha muito poucas oportunidades que não fosse a de concorrer a uma bolsa de pós-doutoramento, na sua maioria, geridas pela FCT e financiadas, em larga medida, com fundos europeus. A primeira mudança de paradigma neste cenário ocorreu pela mão do então ministro Mariano Gago, com o lançamento do manifesto “Um Compromisso com a Ciência para o Futuro de Portugal”, cujo lema era “vencer o atraso científico e tecnológico”. Baseado nesse manifesto, a FCT lançou o programa Ciência 2007 e 2008, que tinha como objetivo “reforçar a massa crítica das instituições do Sistema Científico e Tecnológico Nacional” (SCTN), tendo sido estabelecidos cerca de 1200 contratos de trabalho com investigadores doutorados entre 2007 e 2009.
Com exceção da região metropolitana de Lisboa, esses contratos foram financiados em cerca de 85% por verbas europeias (no âmbito do Programa Operacional Potencial Humano). Não se sabe ao certo quantos desses 1200 doutores ficaram efetivamente a reforçar os quadros das instituições, mas um questionário da ANICT, realizado em 2014, revelou que num universo de 200 investigadores, apenas cinco tinham obtido uma posição permanente no final do contrato Ciência. Se o programa Ciência foi seguramente um marco importante na história científica nacional, foi, no entanto, um evidente fracasso no seu objetivo de integração de investigadores nas instituições.
Com a mudança para um governo social-democrata, a FCT apresentou um novo programa de recrutamento de investigadores, cujos objetivos passavam por “criar as condições para o estabelecimento de líderes científicos em todas as áreas do saber”, e também visava “promover a inserção profissional de doutorados no SCTN”. Em 2013, pelas mãos do então ministro Nuno Crato, foi publicado o Decreto-Lei 28/2013, que estabelecia as condições de recrutamento do programa Investigador FCT. Embora tendo significativas diferenças do seu antecessor, estes contratos (que totalizaram cerca de 700) também foram financiados por verbas europeias, em moldes muito semelhantes ao Programa Ciência.
No entanto, desta vez a FCT exigia às instituições de acolhimento uma declaração em que estas tinham interesse em manter os investigadores nos seus quadros, após avaliação de desempenho positivo, mas que não serviu de nada e, uma vez mais, também este programa foi um fracasso no seu objetivo de promover as carreiras de investigação nas universidades nacionais.
Com o fim do 7º quadro de financiamento europeu para a investigação (FP7), surge uma importante mudança estrutural na forma como Portugal financiou a sua ciência, que, no entanto, não tem sido muito discutida, embora seja de importância extrema para o financiamento de recursos humanos em atividades de investigação em Portugal: após duas décadas a financiar posições para investigadores doutorados, a União Europeia passaria agora apenas a financiar atividades de formação. Com essa condicionante, quando o então ministro Manuel Heitor lançou o Estímulo ao Emprego Científico, teve que contar apenas com verbas nacionais (Orçamento do Estado) para financiar os contratos lançados no âmbito do concurso promovido pela FCT (CEEC).
Ora, como era condição de utilização das verbas europeias não pagar necessidades estruturais (permanentes) das instituições, a FCT teve um papel central (e necessário) na promoção e gestão dos contratos Ciência e Investigador FCT. No entanto, agora que temos em vigor os contratos CEEC, financiados na totalidade pelo Orçamento do Estado (ver página 72 do relatório de atividades da FCT de 2019), há que questionar porque se continua a manter este fluxo de dinheiro dos cofres do Estado para a FCT, que depois reembolsa as instituições. E para responder a esta questão, temos de falar do importante conceito que é a despesa estrutural, ou por outras palavras, de definir o que são necessidades permanentes das instituições.
E aqui chegamos ao cerne da questão: as instituições de ensino superior e investigação sabem perfeitamente que muitos dos seus investigadores desempenham necessidades permanentes, mas tentam não admitir isso publicamente, porque simplesmente não têm dinheiro para assegurar essa obrigação contratual (que está a ser assegurada pela FCT). No entanto, tal como expliquei, a questão não é a falta de dinheiro (porque ele existe), mas antes a falta de decisão política para reconhecer a existência de necessidades permanentes da carreira de investigação. Enquanto esta mudança não ocorrer (a admissão política nacional e local de que existe despesa estrutural em recursos humanos de investigação), não se resolverá este problema.
Parece-me evidente que este assunto terá que ser central para a ministra Elvira Fortunato, pois dentro de dois a três anos iremos ter os primeiros investigadores a atingir o limite dos seis anos de contrato de trabalho. A Lei 57/2017 define claramente que as instituições de direito púbico deverão “em função do seu interesse estratégico, proceder à abertura de procedimento concursal para categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior”. Por outro lado, o código do trabalho (ao qual estão obrigadas as universidades em regime fundacional) limita a sucessão de contratos de trabalho a termo, nas mesmas funções e na mesma instituição, pelo que é urgente capacitar financeiramente as nossas instituições, para que possam desempenhar com normalidade, as suas funções.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico