Comer alimentos feitos com microalgas e insectos reduz emissões de C02 em cerca de 80%

Estudo compara impactos da dieta europeia actual, rica em carne, com o de uma alimentação vegan ou que use alimentos novos ou de futuro, como insectos e carne de laboratório.

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Alimentos classificados como novos e de futuro têm uma pegada ecológica mais ligeira Rui Gaudêncio/PÚBLICO

Substituir alimentos de origem animal na dieta dos europeus por alimentos inovadores – como carne cultivada em laboratório, insectos ou microalgas – pode reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, o uso de água e de terrenos agrícolas na ordem dos 80%, se compararmos com a dieta europeia actual, conclui um estudo finlandês.

A equipa de Rachel Mazac, da Universidade de Helsínquia, publica esta segunda-feira na revista Nature Food um estudo que modelou quais seriam os impactos de transformar a dieta europeia se ela se baseasse no uso de alimentos novos ou alimentos do futuro, comparando com o actual padrão de consumo (em que os alimentos de origem animal têm um peso forte) e com uma dieta vegan.

Na definição da União Europeia, um “alimento novo” é algo que não tenha sido consumido em grau significativo pelos seres humanos na UE antes de 15 de Maio de 1997, data em que entrou em vigor o primeiro regulamento relativo a novos alimentos, e podem ser alimentos inovadores, recentemente desenvolvidos, produzidos através de novas tecnologias e processos de produção.

A carne cultivada em laboratório – produzida a partir de amostras de células recolhidas de animais vivos que, ao serem colocadas num meio de cultura apropriado que fornece nutrientes, crescem e se multiplicam formando o mesmo tecido do animal – é um exemplo desses novos alimentos. Com base neste processo, serão necessários menos animais para produzir enormes quantidades de carne devido à proliferação celular, diminuiu-se o impacto ambiental ao nível das áreas de pastoreio, água consumida e emissões de dióxido de carbono.

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Barra proteíca feita com farinha de insectos Nelson Garrido/PÚBLICO

Quanto aos alimentos do futuro, são aqueles em que há o potencial de aumentar muito tanto a produção como o consumo, devido às preocupações com as alterações climáticas, explica a equipa de Rachel Mazac. “Podem ser insectos e [a microalga] espirulina; alguns alimentos podem sobrepor-se nas categorias dos alimentos novos e de futuro, como o mexilhão ou a Chlorella vulgaris [outra microalga], produzidos com novas tecnologias.”

Os investigadores usaram estatísticas relativas ao consumo de alimentos na Europa, usando a Base de Dados Europeia do Consumo de Alimentos e seleccionaram 124, dos quais analisaram o perfil nutricional, usando um modelo do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Para cada alimento, foram medidos os impactos ao nível do uso da terra, uso da água e emissão de CO2, usando a base de dados francesa Agribalyse, que analisa o ciclo de vida dos produtos agrícolas. Foram seleccionados oito alimentos novos ou de futuro que poderiam substituir os produtos de origem animal e para os quais existe uma análise de ciclo de vida, e sujeitos à mesma apreciação sobre os seus impactos ambientais.

Três tipos de dietas

A partir destes dados, foram criados três tipos de dietas: uma vegan, uma omnívora e outra baseada em alimentos novos ou de futuro – no caso destas últimas, fortificadas como micronutrientes essenciais como cálcio, vitamina B2, vitamina B12 e vitamina D. Foi criado um modelo optimizado das dietas para reduzir os impactos ambientais – retirando alguns grupos de alimentos, como por exemplo as bebidas alcoólicas e diferenciando a quantidade de outros, como cereais, ovos, frutas, consoante o tipo de impacto que se pretendia diminui.

A dieta omnívora optimizada (em relação à actual dieta europeia, com um grande peso de produtos animais) incluía ovos, produtos lácteos, peixe e marisco, mas conseguia mitigar 80% do uso dos terrenos agrícolas, 83% do uso da água e 82% do potencial de aquecimento global, considerando-se as emissões de CO2 evitadas.

A dieta vegan optimizada, em comparação com a actual dieta europeia, reduz 80% do uso da terra, 82% do uso da água e 84% do potencial de aquecimento global. Neste regime, os consumidores não comem alimentos novos ou de futuro, além de se absterem de produtos animais.

Mas é com as dietas baseadas nos alimentos novos ou de futuro, como carne e leite cultivados em laboratório, proteínas derivadas de organismos unicelulares (algas, fungos e bactérias) que os impactos são mais reduzidos, em particular no uso dos solos. O uso da terra tem uma redução de 87%, enquanto o consumo de água é limitado em 84% e o potencial de aquecimento global em 83% – se compararmos estes parâmetros com a actual dieta dos europeus.

“A carne representa uma grande proporção dos impactos da dieta europeia actual”, escreve a equipa de Rachel Mazac. “Ao reduzir-se o consumo de carne, diminuem-se também em 60% dos impactos ambientais nas dietas optimizadas”, sublinham. “Os dados sugerem também que as dietas podem tornar-se mais eficientes em termos de uso de terrenos, água e emissões de CO2 se as pessoas concordassem em não consumir bebidas alcoólicas”, adianta os cientistas. Mas se as dietas actuais, com carne, forem ajustadas de forma a serem introduzidos alimentos novos e de futuro, “é possível reduzirem-se os impactos ambientais até níveis semelhantes aos da dieta vegan optimizada”, frisam.

“Esta base de dados integrada e o modelo de optimização constituem uma nova e poderosa ferramenta de apoio para os decisores para promoverem políticas de alimentação seguras, sustentáveis e saudáveis”, considera Asaf Tzachor, do Centro para o Estudo de Riscos Existenciais da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, num comentário ao estudo finlandês publicado também na revista Nature Food.

Embora o estudo tenha limitações, ao focar-se na dieta dos europeus, que são “447 milhões de cidadãos relativamente ricos, o modelo de optimização exclui a maioria da população global”, sublinha Tzachor. “Mais de 92% dos habitantes do mundo ficam de fora do âmbito deste estudo. Esta exclusão limita a utilidade [do estudo] para Estados não-europeus”, reconhece o cientista.