A guerra na Ucrânia voltou a colocar o “alargamento a sério da União Europeia em cima da mesa”

Existem cinco países candidatos à entrada e outros dois potenciais candidatos. Após a invasão russa, a Ucrânia já pediu para aderir à UE, seguida da Geórgia e da Moldávia. Vai haver um acelerar da política de alargamento?

Foto
O alargamento da Europa é uma questão que marca a actualidade geopolítica Daniel Rocha

Albânia, Macedónia do Norte, Montenegro, Sérvia e Turquia. São estes os cinco países com o estatuto de candidatos à entrada na União Europeia (UE). Nos últimos anos, o processo arrastou-se, sem se afirmar com uma prioridade europeia, e o desfecho permaneceu incerto.

Mas o mundo mudou com a guerra da Ucrânia. À invasão russa, seguiu-se o pedido de adesão à UE por parte da Ucrânia, trazendo a debate o alargamento das fronteiras da União. Perante o receio de uma ameaça russa, seguiram-se os pedidos de adesão da Moldávia e da Geórgia, também elas antigas repúblicas soviéticas. Os passos seguintes são longos. O Kosovo e a Bósnia-Herzegovina, por exemplo, encontram-se há vários anos na situação de potenciais candidatos — o que significa que nem atingiram o estatuto oficial de candidatos.

“Nos países que são candidatos oficiais, temos processos em várias fases. Depois, num limbo, temos a Bósnia e Kosovo. Pedir para ser membro não significa ter o estatuto de candidato”, começa por dizer ao PÚBLICO Isabel Camisão, professora na Universidade de Coimbra e especialista em assuntos europeus, acrescentando ainda que a Ucrânia, a Moldova e a Geórgia já tinham acordos de associação com a UE para justificar os pedidos em catadupa. “Esses três países têm tido uma cooperação estreita entre eles e entre eles a UE. Não é de estranhar a sequência dos pedidos de adesão”.

A história da União tem sido construída a partir de sucessivas vagas de alargamentos. As últimas, já neste século, integraram em 2004 o Chipre, a Eslováquia, a Eslovénia, a Estónia, a Hungria, a Letónia, a Lituânia, a Malta, a Polónia e a República Checa; em 2007 entrou a Bulgária e a Roménia; e em 2013 a Croácia.

“Costumamos dizer aos alunos que a política de alargamento foi durante muito tempo uma das políticas externas mais bem-sucedidas”, prossegue Isabel Camisão, fundamentando o sucesso a partir da “pacificação” conseguida no continente e com a “exportação dos valores” europeus.

Depois, sobraram os Balcãs ocidentais, zona da Europa onde se localizam quatro dos candidatos, Albânia, Macedónia do Norte, Montenegro e Sérvia. A extensão até essa área foi uma “espécie de último compromisso” da UE, cujo alargamento “se esgotou” após as últimas integrações.

“Não é que a UE não tenha olhado para os Balcãs, mas estes países têm relações de vizinhança muito complicadas”, afirma Camisão, recordando que a inclusão daquelas nações “começou a ser muito empurrada”, com sucessivos prazos adiados.

Tal também se justifica com uma alteração na política europeia, que deixou de encarar o alargamento das fronteiras como o principal meio para a “pacificação”, sobretudo após a criação da Política Europeia de Vizinhança (PEV) em 2004. “Passaram a existir outras políticas que de uma maneira diferente, sem a promessa do alargamento, pretenderam fazer um aprofundamento da relação”, reflecte a professora universitária.

Mas, provavelmente, a razão crucial para a paralisação do alargamento até aos Balcãs assentou na dificuldade dos países em cumprirem com os critérios de Copenhaga, que determinam a elegibilidade das candidaturas. “Nos Balcãs ocidentais há problemas muitos graves a resolver em particular do Estado de direito e da corrupção, que grassa em todos de forma terrível”, afirma Paulo Rangel, deputado no Parlamento Europeu (PE) eleito pelo PSD.

Foto
Bandeiras da Macedónia e da UE em frente ao edifício do Governo em Skopje

Uma “aceleração” da integração?

Entre os cinco países candidatos, situação diferente é a da Turquia. É o país mais antigo da lista, mas passou para o último lugar da fila por vontades mútuas: quer pela falta de iniciativa do regime de Ancara, quer pelo reduzido entusiasmo dos líderes europeus.

“Apesar de ter progredido numa fase inicial, à medida que o Erdogan foi retirando garantias democráticas e de Estado de direito, ficou cada vez mais longe essa entrada”, assinala Rangel, lembrando as “tensões recentes entre a Turquia e a UE”, num processo que seria sempre intrincado devido às fronteiras com o Irão, o Iraque e a Síria.

A estagnação europeia na política de integração também é espelhada pela eternização da Bósnia-Herzegovina e do Kosovo como potenciais candidatos. Duas nações marcadas pelas cicatrizes da guerra e que ainda parecem longe do ideário europeu. A Bósnia-Herzegovina tem “ligações profundas” à Rússia e o Kosovo tem um “contencioso aberto” com a Sérvia, sendo um país não reconhecido por nações como a Espanha ou a Roménia.

O contexto ajuda a compreender a inércia dos últimos anos, mas a lentidão do processo acarretou consequências. “Nos Balcãs, a demora da UE em dar uma resposta, seja aos países que são candidatos, seja aos países potenciais, originou uma presença russa muito grande e também turca”, especifica Rangel, exemplificando com os casos da Bósnia, do Kosovo, da Albânia, Macedónia do Norte e referindo ainda o caso da influência chinesa no Montenegro.

E agora? Pode a UE manter a mesma postura tendo uma guerra no continente? “Vamos ter de repensar a política de alargamento e isso pode significar alguma aceleração”, responde o eurodeputado.

A mudança nas preocupações geopolíticas

“Esta guerra voltou a pôr o alargamento a sério em cima da mesa”, advoga Isabel Camisão. A União está agora interessada — e quase obrigada em avaliar uma extensão das suas fronteiras, mas tal não significa que não exista “um longo caminho a percorrer” por cada um dos países candidatos, recorda a doutorada em Ciência Política e Relações Internacionais.

Primeiro, mesmo existindo uma sintonia europeia quanto à condenação da invasão russa, os Estados-membros “continuam em desacordo” quanto às cronologias e aos limites dessas integrações. Por isso, para “salvaguardar todas” as partes, o processo deve ser “muito gradual e ao longo do tempo”, considera a autora de o Estado da União Europeia (2020), Negociação Internacional (2018) e Construir a Europa (2005).

“Considerando que qualquer país europeu pode pedir adesão, não há forma de dizer que não realisticamente. Se eu acho que isso vai ser para amanhã? Acho que não. Há um longo percurso”. Em segundo lugar, os critérios de adesão “não podem ser ignorados” “não vejo como dar a volta a isso” , mesmo em relação à Ucrânia, cuja democracia antes da guerra apresentava várias “limitações”.

A docente universitária apela à cautela a propósito do pedido de entrada dos ucranianos e defende que no “imediato” é mais proveitoso “reforçar todos” os acordos entre a UE e o país, como o de associação e o do comércio livre. “O pedido de adesão é simbólico e importante, mas ajudar financeiramente a Ucrânia é se calhar o melhor caminho, pelo menos para já”.

Quer Isabel Camisão, quer Paulo Rangel fazem questão de destacar que a pretensão da Ucrânia em pertencer à UE altera as “preocupações geopolíticas”, segundo as palavras do eurodeputado, até porque essa integração não era uma possibilidade equacionada.

Foto
Ucrânia já pediu para aderir à UE

“Há um milagre absolutamente extraordinário que a guerra fez que foi tornar plausível uma entrada da Ucrânia na União. Nunca isso foi pensando nem desejado”, assinala o deputado no PE.

Mesmo considerando que qualquer decisão vai ser “condicionada pelo desfecho da guerra”, o vice-presidente do Partido Popular Europeu acredita que a “situação muito especial” da Ucrânia vai ser atendida pelos líderes europeus.

“Pelo menos o estatuto de candidato para a Ucrânia acho que vai ser dado com alguma rapidez. Aliás, com uma rapidez inaudita”, prevê, lembrando que os “cadernos de perguntas” que servem como formulário de adesão têm mais quatro mil questões, algumas “muito técnicas”, que geralmente “demoram anos a responder”.

Apesar do estatuto de candidato não significar a integração, essa “rapidez inaudita” poderá colocar outros problemas: “A partir do momento em que a Ucrânia é candidata nessas circunstâncias, isso vai levantar problemas porque a Bósnia-Herzegovina e o Kosovo querem ser candidatos e não tem esse estatuto”.

Se a União decidir abarcar e conceder o estatuto de candidato aos países, vão existir “dores de cabeça permanente” porque a Bósnia-Herzegovina e o Kosovo têm “imensos problemas no Estado de direito” — isto numa altura em que, a esse propósito, a UE já tem no seu seio questões sensíveis para gerir vindas da Hungria e da Polónia.

Fica ainda por saber como encarar os pedidos da Geórgia e da Moldova, duas nações que se encontram “muito vulneráveis” perante as intenções expansionistas de Putin por não pertencem nem à NATO, nem à UE. “Estamos num xadrez complexo”. E qualquer jogada pode virar o tabuleiro.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários