Relatório sobre assédio na Faculdade de Direito segue para o Ministério Público
E-mail criado para receber denúncias de casos de assédio recebeu até agora oito queixas, mas nem todas são referentes a este tipo de casos.
Depois de ter defendido que seria a própria Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) a investigar as queixas de assédio moral e sexual recebidas, de forma anónima, no passado mês de Março, a directora daquela instituição, Paula Vaz Freire, assume agora que o teor da recolha daquela informação não possibilita que esse passo seja dado, e que o relatório em que constam essas queixas foi, em alternativa, enviado à Procuradoria-Geral da República (PGR). Falta saber se esta poderá dar seguimento ao caso.
Paula Vaz Freire assumiu esta decisão ao Diário de Notícias e confirmou, esta sexta-feira, essa informação ao PÚBLICO. “Já fizemos uma participação para a PGR do relatório que é público e foi produzido pela comissão do Conselho Pedagógico”, diz. A responsável frisa que está em causa uma participação e não uma queixa porque esta exigiria “uma factualidade concreta” que o documento não possui. “Desse relatório resultam indícios de eventuais ilícitos com uma dimensão criminal, mas não consta matéria de facto relativa às circunstâncias de tempo, modo, lugar, nem a identificação dos autores das práticas. Neste momento, a direcção não tem matéria com factualidade para promover os respectivos procedimentos, nomeadamente, disciplinares. Em face deste contexto e das conclusões estatísticas do relatório, entendemos que o deveríamos remeter para a PGR”, esclarece.
Avançar com uma investigação poderá não ser muito fácil, já que o relatório, que está disponível online, não identifica vítimas e alegados agressores. As queixas chegaram à comissão criada por iniciativa do Conselho Pedagógico da faculdade de forma anónima, através do preenchimento de um documento no Google Forms e os visados são identificados através de um código, o que, ao mesmo tempo que não os identifica, permite perceber se a mesma pessoa foi alvo do que mais de uma queixa. Apenas a presidente da comissão estará na posse da identidade dos acusados e poderá, caso tal lhe seja solicitado, nomear os professores visados. Recorde-se que os funcionários estão obrigados a denunciar condutas criminais que cheguem ao seu conhecimento. Caso não o façam, poderão ser acusados dos crimes de denegação de justiça e prevaricação.
A presidente da Associação Académica da FDUL, Catarina Preto, já afirmou que há uma tentativa para que os estudantes avancem com queixas concretas, mas a menos que tal seja feito, o MP poderá ter dificuldade em saber quem apresentou as queixas, no canal aberto entre 14 e 25 de Março. E, estando em causa, eventualmente, um crime semi-público, a investigação só poderá avançar perante a existência de queixa e identificação das vítimas.
O relatório, disponível na página do Conselho Pedagógico, refere que dos 70 testemunhos recebidos anonimamente, 50 “foram considerados casos de assédio em contexto pedagógico”. Há 29 casos de assédio moral e 22 de assédio sexual, e o total desta soma dá 51 porque há um caso que se refere, em simultâneo, aos dois tipos de assédio.
31 professores em causa
Quanto aos visados, estão em causa 31 docentes, sete dos quais são referidos em mais do que uma situação. Há um docente que teve nove queixas e dois que foram alvo de cinco. O assédio foi praticado, sobretudo, de forma presencial (32 casos), através das redes sociais (10) e por e-mail (2). “A vasta maioria dos relatos respeitantes a acções presenciais refere-se a actividades em aula ou na sequência da aula, embora haja casos relativos a provas orais (5) e um relativo a uma prova escrita”, lê-se no documento.
Nos casos de sexismo (8) todos os relatos partiram de alegadas vítimas do sexo feminino, havendo também cinco queixas de xenofobia/racismo e um de homofobia. “No caso da xenofobia/racismo, os testemunhos referem-se a alunos brasileiros, negros ou originários de Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa”, é ainda referido.
A FDUL já deu, entretanto, conta da decisão de criar um gabinete de apoio e aconselhamento jurídico para vítimas de assédio e discriminação dentro da comunidade académica, que contará com o apoio de juristas e psicólogos indicados pela Ordem dos Advogados e a Ordem dos Psicólogos. O gabinete deverá entrar em funcionamento ainda durante o mês de Abril, segundo um comunicado da FDUL.
A 18 de Março foi também criado um e-mail (queixas@fd.ulisboa.pt) para receber denúncias de eventuais casos de assédio, mas, ao contrário do que se passou na elaboração do relatório anterior, as queixas ali apresentadas requerem “a identificação do denunciante e a descrição circunstanciada dos factos”. Paula Vaz Freire diz que, até esta sexta-feira, chegaram oito denúncias ao e-mail, mas que “nem todas são relativas a assédio”. Há algumas de natureza pedagógica e outras sobre o funcionamento dos serviços, o que está fora do objectivo da morada electrónica criada.
A directora da FDUL não soube precisar se alguma das queixas de assédio apresentadas por esta via será sobre os casos já reportados anonimamente no relatório ou se estão em causa situações novas.
Num comunicado dirigido à comunidade académica, divulgado na tarde desta sexta-feira, Paula Vaz Freire deu conta do envio da participação à PGR e da intenção de ser criado um Código de Conduta e Boas Práticas da FDUL, garantindo: “Na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, não são admitidas discriminações com base no género, na idade, na etnia, na língua, no território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, situação económica, condição social ou condição física.” E num apelo para que as vítimas de assédio avancem com “denúncias concretas”, afirma ainda: “Na FDUL, as vítimas de assédio moral, sexual ou de outro tipo não estarão limitadas na sua actuação nem terão de suportar sozinhas o peso do que aconteceu ou venha a acontecer.”
Notícia actualizada com o comunicado dirigido à comunidade académica.