Rússia diz que proposta ucraniana para acordo de paz é “inaceitável”

No dia em que sofreu nova derrota diplomática na ONU, Moscovo acusou Zelenskii de dar o dito por não dito e de não estar interessado em parar a guerra. Kremlin assumiu “perdas significativas de tropas”.

Foto
Serguei Lavrov fez a declaração no dia em que o homólogo ucraniano foi a Bruxelas reunir-se com a NATO e o G7 Reuters/POOL

Mais de uma semana depois de as delegações russa e ucraniana se terem encontrado em Istambul para retomar as negociações com vista a um cessar-fogo, o ministro russo dos Negócios Estrangeiros disse ter recebido uma proposta de acordo redigida pela Ucrânia – e considerou-a “inaceitável”.

“A Ucrânia apresentou ontem [quarta-feira] um esboço de entendimento que é um claro afastamento das principais disposições acordadas no encontro de Istambul”, afirmou Serguei Lavrov. Segundo o diplomata russo, os negociadores mandatados por Volodimir Zelenskii tinham concordado na Turquia que as garantias de segurança à Ucrânia, a serem prestadas por outros países, não abrangiam o território da Crimeia, que a Rússia anexou em 2014. “No entanto, isso não consta do esboço”, queixou-se Lavrov, acrescentando que o documento propõe “que os assuntos Crimeia e Donbass devem ser discutidos numa reunião entre os Presidentes russo e ucraniano.”

“A seguir a Ucrânia vai pedir a retirada das tropas [russas] e continuará a acrescentar pré-condições. O plano é claro e inaceitável”, disse o ministro, acusando as autoridades do país vizinho de estarem interessadas em continuar com a guerra. “Esta é a prova de que o regime de Kiev é controlado por Washington e seus aliados, que estão a pressionar o Presidente Zelenskii para continuar as actividades militares”, disse Lavrov.

O ministro falava em Moscovo aos jornalistas quando o seu homólogo ucraniano já se encontrava em Bruxelas para participar na cimeira da NATO, reunir-se com ministros do G7 e ter encontros bilaterais com membros da Aliança Atlântica. Dmitro Kuleba não comentou directamente as palavras de Lavrov, mas escreveu no Twitter que “a Ucrânia propõe um negócio justo: o mundo fornece-nos o apoio que precisamos; nós lutamos e derrotamos Putin na Ucrânia”.

Numa declaração escrita enviada à Reuters, um negociador ucraniano classificou as palavras de Serguei Lavrov como uma manobra para enfraquecer a posição da Ucrânia e distrair o mundo dos alegados crimes de guerra cometidos em Bucha. “Mudar as nossas posições para as enfraquecer não faria sentido. O sr. Lavrov não está directamente envolvido no processo negocial, por isso as suas afirmações são propaganda pura”, escreveu Mikhailo Podoliak.

Mais tarde, em entrevista à televisão britânica Sky News, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, admitiu que a Rússia está a ter “perdas significativas de tropas” na Ucrânia, embora não tenha avançado com um número preciso. Em mais de 40 dias de guerra, é a terceira vez que Moscovo reconhece baixas entre as suas forças. Tinham morrido até meados de Março, segundo o Kremlin, 1351 soldados russos – um valor muito inferior ao estimado quer pela Ucrânia quer pelos Estados Unidos.

Bombas não param em Mariupol

No campo diplomático, a Rússia sofreu nova derrota ao ser suspensa do Conselho de Direitos Humanos da ONU após uma votação da Assembleia Geral em que 93 países votaram a favor, 24 votaram contra e 58 abstiveram-se. China, Irão, Síria, Coreia do Norte, Cuba e Bielorrússia foram alguns dos Estados que se opuseram à decisão, enquanto Brasil, Índia, Angola, Qatar e África do Sul foram alguns dos que se abstiveram.

Esta não é a primeira vez na história deste conselho fundado em 2006 que um Estado-membro é suspenso: aconteceu o mesmo com a Líbia em 2011 por um período de oito meses.

À Sky News, Dmitri Peskov lamentou a decisão e garantiu que a Rússia “continuará a defender os seus interesses usando todos os meios legais possíveis”. Já Dmitro Kuleba mostrou-se satisfeito: “Criminosos de guerra não têm lugar nos órgãos das Nações Unidas destinados a proteger os direitos humanos.”

No terreno, com as regiões de Kiev, Chernihiv e Sumi já totalmente reocupadas por tropas ucranianas, os russos continuam a bombardear Mariupol, embora os avanços territoriais pareçam limitados.

Depois de na quarta-feira ter denunciado que as tropas russas traziam consigo crematórios ambulantes para alegadamente ocultarem possíveis execuções de civis, o presidente da câmara da cidade acusou o inimigo de ter deportado 40 mil pessoas à força para a Rússia. Nenhuma das alegações pôde até agora ser confirmada por fontes independentes, uma vez que Mariupol está cercada há semanas e nem ajuda humanitária tem conseguido entrar.

Ainda a sul, as tropas ucranianas estão a conseguir avançar lentamente em direcção a Kherson, a única cidade importante até agora conquistada pela Rússia. Em Dnipro, que está relativamente longe das frentes de batalha, as sirenes aéreas ouviram-se com mais insistência ao cair da noite e o autarca local pediu às mulheres, crianças e idosos que abandonem a cidade.

Sugerir correcção
Ler 21 comentários