Será o marketing uma forma de “criar unidade” ou de “desintegrar uma sociedade”?

O consumidor evoluiu, é mais informado e atento. Mas será que o marketing continua a servir como uma ferramenta para moldar percepções? Na terceira conversa desta edição do PSuperior Talks, e de acordo com o panorama actual, questiona-se qual o papel do marketing na política e se pode servir para (re)construir o mundo.

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Debate decorreu no ISEG, em Lisboa MATILDE FIESCHI

Com as eleições legislativas ainda frescas e à luz das discussões sobre o Orçamento de Estado de 2022, questiona-se qual o papel do marketing na política e a sua influência na forma como se percepciona (e constrói) a realidade. Esta segunda-feira, na terceira conversa da mais recente edição do PSuperior Talks do PÚBLICO, que decorreu no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG), analisou-se o peso desta ferramenta numa era em que as pessoas têm cada vez mais acesso à informação, e como se deve aplicar.

Para debater esta ideia, numa sessão moderada por Marta Moitinho Oliveira, editora de Política do PÚBLICO, juntou-se um painel com diferentes visões e áreas de especialização: Rui Almeida, director de Insight & Marketing Sciences da Mediabrands, Sandra Maximiano, professora do ISEG, e Joaquim Fidalgo, jornalista e professor na Universidade do Minho. Para complementar com uma perspectiva mais jovem, o debate contou ainda com a participação dos estudantes do ISEG: Miguel Inverneiro, da licenciatura em Economia, e João Souto, do mestrado em Economia Monetária e Financeira.

De uma forma geral, o painel concordou que marketing empresarial e político são duas realidades muito semelhantes. Nesta óptica, Rui Almeida afirmou que há dois parâmetros cruciais em consideração, sendo estes o posicionamento, que no caso da política tem a ver com os programas eleitorais e os ideais em causa, e a segmentação, ou o grupo de pessoas a quem se quer passar uma mensagem. As estratégias passam por estabelecer a “mensagem fundamental” e os perfis “mais sensíveis e permeáveis a serem recrutados para a causa”. Mas o director de marketing da Mediabrands frisa que, actualmente, trabalhar nesta área implica ter a noção de que “os consumidores evoluíram na sua sofisticação e na descodificação dos mecanismos que o marketing utiliza”.

Perante esta perspectiva, os dois alunos do ISEG salientaram a necessidade de trabalhar continuamente em estratégias mais transparentes e conhecer o público. Miguel Teixeira considerou crucial assegurar que “as medidas a ser implementadas chegam como elas verdadeiramente são” e não como vias de “capturar o eleitorado”. João Souto foi mais longe e disse que todo este processo também passa pela capacidade das pessoas “enquanto cidadãos, serem mais exigentes” para assegurar que não são implementadas estratégias que possam enviesar decisões.

Sandra Maximiano disse que a política e o marketing andam de mãos dadas, explicando que a forma como é “vendida” pode contribuir para “criar unidade” ou “desintegrar uma sociedade”. Mas, para Joaquim Fidalgo, se o marketing (e em especial aplicado à política) contribui para construir percepções, há uma entidade que surge como contracorrente: “O jornalismo, às vezes, é uma ferramenta para a desconstrução do marketing”, diz, argumentando que este pode contribuir para a alteração do tipo de estratégias que se implementam. Referiu que, apesar das duas áreas incidirem em matérias semelhantes, os objectivos finais e procedimentos são distintos. Assim, por vezes o marketing corrige-se em função do que está a acontecer “na bolha mediática”, e vice-versa.

Usado para ocultar ideias?

No contexto da percepção pública, questiona-se se o marketing é utilizado de forma a ocultar determinadas ideias. Aproveitando a ideia trazida pelo jornalista, Rui Almeida explica que no marketing político se “cristaliza uma determinada ideia”, acabando por “bloquear a visibilidade sobre as perspectivas contrárias”, mas isso não significa que se escondam as “partes más”. E explica: “Não me parece que seja verdade que as coisas más não sejam utilizadas pelo marketing político; são usadas se calhar de uma forma mais retorcida, no sentido de utilizar os reveses na disputa política em favor da causa que cada partido defende”.

O painel concordou que o marketing acaba por se fundar na conexão emocional que as pessoas criam com as ideias que são promovidas. Como tal, Sandra Maximiano referiu que “o marketing só existe porque somos pessoas e não robôs”, com preferências sociais e morais. Contudo, com este raciocínio, questiona-se também se o marketing deve ser limitado de alguma forma, de modo a não ultrapassar limites. Sobre a necessidade de implementar algum tipo de regulação, os convidados concordam que não é necessário criar algo formal, mas que se deve apostar numa análise interna autónoma e contínua. A professora do ISEG salientou que, além das próprias entidades políticas desenvolverem esse comportamento auto-regulador, também a sociedade deve fazer uma “avaliação mais constante” para identificar o “limite” e o que é “abusivo”. E acrescenta: “Não é preciso, enquanto se viva em democracia, que exista essa regulação formal”. Na mesma linha, João Souto acredita que as equipas envolvidas na política se devem auto-regular e “medir a performance” do que é prometido em período de campanhas para assegurar o seu cumprimento. Joaquim Fidalgo salientou ainda que existem entidades da sociedade civil que acabam, informalmente, por ter um papel de “denunciantes e escrutinadores”, o que contribui para que não surjam situações extremas.

O PSuperior surge para promover um maior envolvimento dos jovens nas temáticas que se debatem actualmente, promovendo uma cidadania mais activa e informada. Conta com vários parceiros que participam nas talks de acordo com o tema em debate​, incluindo empresas diversas e universidades. Durante as próximas semanas vão decorrer novas conversas, explorando assuntos que vão desde “o poder da criatividade” até ao futuro de uma “sociedade de risco”.

Texto editado por Pedro Sales Dias

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