“É agora ou nunca”: sem redução imediata nas emissões, será “impossível” limitar subida da temperatura a 1,5ºC
O diagnóstico está feito: nunca houve tantas emissões como na última década e é altura de cortar emissões para garantir que ainda se pode limitar o aquecimento global para garantir um “futuro habitável”. O pico das emissões terá de ser atingido até 2025 e reduzido em quase metade até ao final desta década.
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O novo relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) divulgado na tarde desta segunda-feira está pontuado por altos e baixos: é grave ver que entre 2010 e 2019, as emissões de gases com efeito de estufa estiveram “no seu nível máximo na história dos humanos”, mas a boa notícia é que o ritmo desse crescimento abrandou. É preocupante ouvir que, se continuarmos sem uma acção imediata para um corte profundo nessas emissões, será “impossível” limitar o aquecimento global a 1,5ºC. Mas a boa notícia é que já há provas de que as medidas para travar as alterações climáticas estão a surtir efeito. A escolha do caminho que será feito até 2030 é crucial.
“Estamos numa encruzilhada”, declarou o presidente do IPCC, Hoesung Lee. “As decisões que tomamos agora asseguram um futuro habitável. Temos as ferramentas e o conhecimento para limitar o aquecimento”, afirmou, dizendo que têm sido tomadas medidas eficazes que poderão ser replicadas por todo o mundo para garantir que é possível reduzir as emissões globais.
Para limitar a subida da temperatura a 1,5ºC (até ao final do século e em relação aos níveis pré-industriais), o “pico” das emissões tem de acontecer até 2025, no máximo – e terá de ser reduzido em 43% até 2030. O IPCC diz ainda que as emissões de metano terão de ser reduzidas até um terço. “Mesmo que façamos isto, é quase inevitável que excederemos temporariamente este limite de temperatura, mas poderemos voltar a estar abaixo dele até ao final do século”, lê-se no comunicado. “É agora ou nunca”, asseverou o vice-presidente do IPCC, Jim Skea. “Sem reduções profundas e imediatas nas emissões em todos os sectores, será impossível” limitar o aquecimento global a 1,5ºC. Uma acentuada redução nas emissões terá de continuar em 2030, 2040 e 2050.
As emissões têm aumentado desde 1850 por causa da actividade humana e as emissões médias de gases com efeito de estufa entre 2010 e 2019 foram “mais altas do que em qualquer década anterior”, mas ainda assim o ritmo de crescimento nessa década foi menor do que na década de 2000 a 2009.
Agora, outra má notícia: as reduções nas emissões ainda têm sido menores do que o aumento causado pelo aumento da actividade global na indústria, energia, transporte, agricultura e edifícios. Ao mesmo tempo, a boa notícia é que o custo de tecnologias para reduzir as emissões tem estado a baixar desde 2010 – ainda que, nos países em desenvolvimento, esta “inovação” se tenha atrasado. É preciso uma “acção climática acelerada e justa”, alerta o IPCC.
Outra má notícia é que o “alinhamento de fluxos financeiros para atingir os objectivos do acordo de Paris permanece lento”. Se os compromissos nacionais de cada país que faz parte do Acordo de Paris (NDC) anunciados antes da COP26 se mantiverem, tal não será suficiente para limitar o aquecimento global e tornará “provável que o aquecimento ultrapasse os 1,5 graus durante o século XXI”.
A neutralidade carbónica pode ser atingida em 2050 se se conseguirem cumprir os cenários que limitam o aquecimento global a 1,5 graus. Caso se ultrapasse e o aquecimento global fique antes abaixo dos dois graus, a neutralidade carbónica pode ser conseguida no início dos anos 2070. Só nessa altura será possível estabilizar as temperaturas do planeta. Os mecanismos para remoção de dióxido de carbono para contrabalançar as emissões residuais mais difíceis de extinguir serão “inevitáveis”.
Qualquer um destes cenários implica “reduções rápidas e profundas nas emissões e, na maior parte dos casos, reduções imediatas” em todos os sectores de actividade. Tal implica uma transição de combustíveis fósseis que não façam captura nem sequestro de carbono para fontes de energia neutras em carbono (ou muito reduzidas), como as energias renováveis ou mesmo combustíveis fósseis que façam essa captura e sequestro de carbono.
Ainda que fique claro que as florestas e a agricultura possam ajudar na redução das emissões de gases com efeito de estufa, “a terra não pode compensar as reduções de emissões que têm sido adiadas nos outros sectores”.
Uma redução de 40 a 70% até 2050
Muitas têm sido as medidas para melhorar a eficiência energética e, desde 2010, houve uma redução nos preços da energia solar e eólica que chega aos 85%, revela o relatório do IPCC. Neste relatório, fica claro que “limitar a subida da temperatura global exigirá grandes transições no sector da energia”, o que implica uma grande redução dos combustíveis fósseis – mas também o uso de combustíveis alternativos e uma maior eficiência energética. Para o vice-presidente do IPCC Priyadarshi Shukla, é preciso ter as “medidas certas, as infra-estruturas e a tecnologia a postos”, que por sua vez “permitem mudanças nos nossos comportamentos e estilo de vida”. Isto permitirá uma redução de entre 40 a 70% das emissões de gases com efeito de estufa até 2050 e resultará também numa melhoria “da nossa saúde e bem-estar”, diz Shukla, citado num comunicado do IPCC.
Nas cidades, por exemplo, há oportunidades para reduzir o impacto que temos no planeta: se as cidades forem “compactas” e permitirem que se caminhe até aos serviços essenciais, se os transportes passarem a ser eléctricos, se houver mais espaços verdes (que funcionam como reservatórios de carbono). No sector da indústria, que conta com quase 25% do total das emissões globais, é necessário que se usem os materiais de forma mais eficiente. Tornar esta indústria neutra em carbono será um “desafio” e exigirá “novos processos de produção”.
No que toca aos transportes terrestres, “os veículos eléctricos alimentados por electricidade obtida com emissões reduzidas garantem o maior potencial de descarbonização”. As melhorias nos transportes ajudam não só a reduzir as emissões de dióxido de carbono, mas também teriam impactos positivos na qualidade do ar, na saúde, no acesso mais igual a serviços de transporte e ainda ajudariam a reduzir o trânsito.
Muitas das medidas de descarbonização tiveram impactos positivos, mas também houve casos em que resultaram em “impactos negativos a curto prazo em grupos vulneráveis, de baixos rendimentos, e em alguns casos beneficiaram grandes empresas em vez de pequenas empresas, por exemplo”, afirmou a investigadora Laura Diaz Anadon, citada num documento do IPCC. Os pacotes de medidas que permitem a inovação e criam recursos são melhores a apoiar uma mudança rumo a um futuro mais justo de reduzidas emissões do que medidas individuais, lê-se no relatório.
Atraso na aprovação do documento
O relatório do IPCC foi apresentado na tarde desta segunda-feira, depois de ter sido adiada a apresentação da manhã. Segundo o jornal britânico The Guardian, o atraso na divulgação do relatório aconteceu por causa do desacordo entre cientistas e representantes governamentais em temas como o financiamento necessário para o combate à crise climática em países em desenvolvimento e qual o peso a ser dado a medidas para reduzir os combustíveis fósseis. Em debate estava o documento do sumário para decisores políticos, que resume em cerca de 40 páginas as centenas de páginas do relatório do IPCC e que serve para orientar os governos de cada país.
Ainda que o relatório do IPCC seja feito ao longo de anos pelos cientistas, este documento pode ser visto e discutido por cada membro das Nações Unidas que esteja representado. Numa nota publicada pelo IPCC, é referido que este documento foi sujeito a um “escrutínio linha a linha por parte de delegados governamentais em diálogo com os autores do relatório”. E garante-se que são os autores que “têm a palavra final”, e que o documento resultante é aprovado pelo IPCC. Este documento só foi aprovado na manhã desta segunda-feira pelos 195 governos que constituem o IPCC, após reuniões virtuais que começaram a 21 de Março.
Esta é a terceira parte da análise do IPCC ao uso que estamos a dar ao planeta e àquilo que é preciso fazer para atenuar os efeitos das alterações climáticas. O Grupo de Trabalho III, que é constituído por 278 autores, incluindo as cientistas portuguesas Joana Portugal Pereira e Inês Azevedo, analisa a origem das emissões de gases com efeito de estufa, trata de temas como as medidas políticas que podem ser tomadas, que tecnologias podem ser adoptadas e qual o financiamento necessário para reduzir as emissões.
O último relatório do IPCC foi divulgado no final de Fevereiro – em que se dizia que “meias medidas” já não são uma opção para fazer frente às alterações climáticas – e, em Agosto de 2021, tinha sido divulgado o relatório do Grupo I, que mostrava que o planeta deverá aquecer 1,5 graus (temperatura média do planeta em relação aos níveis pré-industriais) mesmo no melhor dos cenários.