Porque é impossível negociar com Putin

Para os russos, a distância ao poder não só é aceite como apreciada. O povo russo acredita e segue o líder, apenas porque é o líder. A propaganda do regime faz o resto.


Passado um mês sobre o início da invasão da Ucrânia, pouco mais há negociado do que alguns corredores humanitários. E assim será. De ronda em ronda de negociação até à capitulação final da Ucrânia ou quando Putin quiser acabar com a guerra.

Os esforços dos líderes ocidentais para mediar o conflito têm sido inócuos. O voluntarismo do governo turco e os telefonemas de Macron e Scholz roçam a tragicomédia. Analisar e tentar entender a Rússia como um país que se quer tornar como o Ocidente é um mau ponto de partida. Aliás, não apenas mau, mas até perigoso. Por definição geográfica, somos ambos povos europeus, todavia com legados históricos distintos e diferenças culturais diametralmente opostas. Enquanto não se desconstruir três perigosos mitos por nós – ocidentais – construídos, o papel mediador dos europeus será apenas uma ilusão.

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Como Presidente e primeiro-ministro, Putin está no poder há 20 anos na Rússia Sputnik/Reuters

O primeiro mito é acreditar que a paz se alcança pela implosão do regime russo. Os estudos sobre diferenças culturais desconstroem este mito pelo conceito de distância ao poder. Para os russos, a distância ao poder não só é aceite como apreciada. O povo russo acredita e segue o líder, apenas porque é o líder. A propaganda do regime faz o resto, condicionando a sociedade por estímulos pavlovianos. Basta tocar a sineta. Invadir a Ucrânia com base na narrativa de que esta é uma ameaça para a Rússia não só é aceite como é apoiado pela população. Não são os cinco mil ativistas detidos no seio de 144 milhões de habitantes que vão fazer a diferença. Putin só deixará de ser Presidente quando ele quiser.

O segundo mito fundamenta-se na crença de que a democracia prevalecerá sobre a autocracia. Os anos que se seguiram à queda da União Soviética foram de liberdade, mas também de caos e insegurança. Os russos evitam a incerteza e não gostam de desvios ou alterações. Distrações, ambiguidade e mudança são algo que tem de ser controlado e neutralizado. Por isso proclamam profusamente leis e regulamentos. O que é um paradoxo. Na Rússia, o poder precede a lei. O poder e, sobretudo, o uso do poder pressupõem a lei como ferramenta, e não como argumento. Quem tem poder está automaticamente certo e define o que é certo. Entre a memória do caos da liberdade democrática e o saudosismo da segurança autocrática, o cidadão comum escolherá sempre a última. Putin e seus oligarcas continuam e continuarão a mandar na Rússia, sem discussão.

Acreditar que a postura da Rússia vai mudar pressionada pelo isolamento das sanções é o terceiro mito. A Rússia é um país que gosta de se isolar. O isolamento da Rússia é ancestral e inicia-se com os dois séculos de domínio mongol. Um isolamento que perdura no tempo. Mesmo durante a década de 90, após a queda do muro de Berlim e a abertura do mercado às marcas ocidentais, o consumismo dos russos, com um padrão muito idêntico ao nosso, levou-nos a acreditar que a Rússia tinha encetado um processo de “normalização ocidental”. Acreditou-se que a Rússia se estava a abrir ao Ocidente, integrando os mesmos valores de liberdade e democracia. Puro engano. Adotar um estilo de vida ou um padrão de consumo não é o mesmo do que adotar um modelo de organização da sociedade. A Rússia nunca mudou nem vai mudar. Com ou sem sanções, Putin não vai mudar.

É por isso que acreditar que Putin negociará a paz pela via diplomática deixa de ser uma hipótese racional para se tornar em ingenuidade perigosa. Acreditar que Ivan quer ser um de nós, tem tanto de candura como de ameaça à vida. Pensar que Putin tem os mesmos objetivos que nós até pode ser razoável. Mas acreditar que os meios que Putin utilizará para atingir esses objetivos são os mesmos que nós utilizaríamos não só é ingénuo como perigoso. A diplomacia não tem lugar nesta guerra, como também não teve na Tchetchénia ou na Síria. Até que a paz seja alcançada pela vontade de Putin, os ucranianos morrerão como boiardos às mãos de Grozny.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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