Maior risco para os preços pode vir agora do proteccionismo alimentar

Há cerca de 50 milhões de toneladas de cereais e oleaginosas por escoar na Ucrânia e há 800 milhões de pessoas que dependem da importação de trigo da Rússia, estima o Rabobank. Mas se houver proteccionismo nos mercados de origem substitutos, o problema com o abastecimento alimentar nascido da guerra vai agravar-se.

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EPA/YAHYA ARHAB

Michael Magdovitz mostra primeiro um Vladimir Putin bastante mais agradável do que nos últimos 30 dias, na foto principal do seu power point. A foto tem 14 anos, o momento é uma visita à Ucrânia e o presidente russo está a comer pão. É essa a relação que o analista sénior de commodities agrícolas do Rabobank quer fazer na sua apresentação no segundo dia do XIII Congresso Nacional do Milho, na manhã desta quinta-feira, em Santarém, que Michael Magdovitz apelidou de “breakin bread”.

O que o analista da instituição financeira holandesa quer frisar é a importância da Ucrânia e da Rússia para o abastecimento de trigo, mas também de milho e oleaginosas (nomeadamente óleo de girassol) daquela origem para o resto do mundo.

Neste momento, disse, “há 50 milhões de toneladas de grãos e oleaginosas que não podem sair da Ucrânia”, país que foi invadido pela Rússia faz agora precisamente um mês e que vive em guerra desde essa data. As exportações estão suspensas e os portos no Mar Negro sem data para reabrir a actividade comercial.

Michael Magdovitz quer também chamar a atenção da plateia do congresso da Anpromis (Associação Nacional dos Produtores de Milho e Sorgo) para o peso do país invasor, desde então a lidar com sanções económicas da União Europeia, Reino Unido, EUA, Canadá e Japão. No mundo, explicou, há “800 milhões de pessoas” que dependem “das importações de trigo da Rússia”. E, adicionou o analista, “daqui a seis meses haverá pouca probabilidade de encontrar nos supermercados” óleo de girassol, se o actual cenário se mantiver.

Um problema que, no caso da Nestlé, está a ser tratado. Hans Jörg Deubel, director para a área da cadeia de abastecimento na Nestlé Portugal, presente no mesmo painel do segundo dia do congresso, afirmou: “temos stocks até ao mês seis [Junho]”. Como a multinacional suíça de alimentação trabalha hoje sobre um cenário em que este óleo vegetal vai escassear nos próximos meses, está já, nos centros de investigação do grupo suíço, a ensaiar formas de substituição.

Este responsável sublinhou que, com excepção deste caso, a Nestlé “não prevê escassez em Portugal, nem prevê escassez de produtos em geral”. No caso do trigo, a multinacional compra 1750 toneladas a Portugal, Espanha e França, disse.

Do menos mau ao pior

É um cenário tripartido aquele em que o Rabobank trabalha, então, e nenhum deles animador – de que a guerra acaba em Abril (e as exportações de grãos já disponíveis na Ucrânia são retomadas), que é o menos agreste; de que a guerra se prolonga até Junho ou Julho, perdendo-se assim a campanha nos cereais de grãos e sementes de girassol, o cenário intermédio; ou, no cenário mais dramático para todos, aquele em que a guerra não cessa antes de Outubro - e, que, portanto não há arranque da próxima campanha no país invadido e que “não temos grãos nem da Ucrânia nem da Rússia em 2023”. A cada cenário, corresponde o seu aumento de inflação e o alongamento do seu efeito, culminando em taxas acima de 20% e por mais de sete anos, no caso mais extremo.

Mas, quis frisar Michael Magdovitz esta manhã, “o grande risco agora” é que os “preços altos podem tornar-se ainda mais altos se os países enveredarem pelo proteccionismo”, neste caso alimentar – não exportando ou agravando a carga fiscal e aduaneira à saída dos bens alimentares das suas fronteiras, encarecendo o preço a pagar por quem os importa. A Sérvia já reduziu a exportação de alguns alimentos, assim como a Bulgária, e a Argentina, acrescentou, agravou em 33% os impostos à saída sobre alguns óleos vegetais.

A questão da “segurança alimentar”, que antes estava mais associada à segurança dos alimentos consumidos, “pode ser um tema” no futuro próximo, disse mais tarde Pedro Santos, director-geral da Consulai, mas agora numa lógica de “ter acesso aos alimentos”.

“A Europa tem que ter autonomia na agricultura e na alimentação”, complementou Álvaro Beleza, presidente da SEDES, que acredita que a soberania, também alimentar, “está na ordem do dia. Razão então para “aproveitar a oportunidade para dar um boost” à agricultura, na sua opinião.

Ou, como tinha dito momentos antes o director-geral da consultora Consulai, para o cenário “agora é que é” da agricultura – por oposição ao cenário “mais do mesmo”. Se assim for, se esta for a via para produtores, empresas, tutela e resto do Governo, pode ser que o sector duplique o seu peso no PIB (hoje abaixo de 4%) e passe de deficitário para uma balança comercial positiva com o exterior no médio prazo, estimou Pedro Santos.

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