Marco Martins no sítio das coisas selvagens

Oito homens que se mascaram uma vez por ano, cinco sardos e três transmontanos, sobem ao palco pela primeira vez na vida. Trazem no corpo a brutalidade dos seus dias cravados na terra e o sangue de tantas e tantas matanças, mas o que se segue não é uma carnificina: Selvagem, o espectáculo que Marco Martins estreia esta sexta-feira na Culturgest, decorre do deslumbramento perante a potência dos rituais em que nos tornamos outros, e da desmesurada poesia que há nisto tudo.

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As máscaras de Charles Fréger saltam para o palco com poses espectaculares e movimentos tribais Inês Nadais, Tiago Lopes

Giuseppe, “o protagonista” (palavras dele), não vê as suas 50 ovelhas desde o início de Fevereiro. Tem uma memória física, em que logo nos pomos a imaginar cheiros e choros, de as ver nascer e de as ver morrer – ou seja, de as matar –, mas fala disso sotto voce, quase fazendo desaparecer as palavras debaixo das saudades que tem de Orotelli e de não ver nada a não ser o céu por cima da cabeça, debaixo da certeza um pouco brusca de que “depois de Julho isto acaba”. O teatro, quer dizer. Se bem que ainda agora começou – para este maciço mas tímido pastor sardo de 28 anos que trespassa tudo (até a fotografia aqui acima) com o olhar, e para os outros sete caretos (quatro da Sardenha, como ele, e três do Nordeste Transmontano) que o acompanham em Selvagem, a nova aventura de Marco Martins com actores não-profissionais.

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