Ministra da Justiça diz que foram deputados, e não ela, a criar mais impedimentos aos juízes
Magistrados têm vindo a avisar para as graves consequências que pode vir a ter o alargamento do leque de situações em que um juiz fica proibido de tomar decisões em determinado processo. Francisca van Dunem recorda que ideia partiu do PSD, tendo depois sido aprovada por unanimidade pelo Parlamento.
O Ministério da Justiça demarca-se da alteração à lei que aumenta o leque de situações em que os juízes estão impedidos de t0mar decisões em determinados processos, e que entrou esta segunda-feira em vigor, sob críticas da magistratura. O gabinete de Francisca van Dunem lembra que a medida não integrava a proposta de lei do Governo.
A partir de agora, um juiz que tenha tomado qualquer decisão na fase de inquérito de um processo, por insignificante que tenha sido, ou que tenha dirigido a sua fase de instrução deixa de poder intervir na fase de julgamento ou de recurso desse mesmo caso, estipula a nova redacção do artigo 40.º do Código de Processo Penal, incluída no pacote de medidas anticorrupção aprovado na Assembleia da República no final da legislatura,
“As normas em causa (...) não constavam da proposta de lei que o Governo apresentou à Assembleia da República para implementação de medidas previstas na Estratégia Nacional Anticorrupção”, explica o gabinete de Francisca van Dunem, sublinhando que a origem de tais normas se encontra no projecto apresentado pelo PSD. O mesmo gabinete indica que “nunca concordou com a solução proposta pelo PSD” e que a aprovação da lei 94/21, onde figurava esta medida, foi decidida pelos deputados da Assembleia da República e não pelo Governo.
“A ligação feita entre a ministra da Justiça e a nova lei de impedimentos dos juízes sugere falsamente que a ministra foi a responsável pela criação das normas legais fortemente criticadas pelo Conselho Superior da Magistratura, que manifestou a sua concordância com as mesmas ou que tem poder para promover a sua alteração”, refere ainda o gabinete.
A alteração em causa foi duramente criticada pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henrique Araújo, que antevê “gravíssimos constrangimentos” para os tribunais, bem como pelo presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses, Manuel Ramos Soares, que prevê que a entrada em vigor desta lei “vai desorganizar por completo o sistema de justiça, com multiplicação exponencial de substituição de juízes e adiamentos de diligências”.
O Conselho Superior da Magistratura (CSM) aprovou no plenário de 8 de Março um conjunto de orientações, como, por exemplo, o recurso a juízes de outras localidades ou de uma bolsa de substitutos nos tribunais com apenas um juiz, além de concentrar a distribuição dos actos jurisdicionais de um processo sempre no mesmo magistrado nas comarcas que tenham juízo de instrução com dois ou mais lugares de juiz.
Perante os apelos do CSM a uma reversão do diploma, o gabinete da ministra refere que tal não ocorreu devido à dissolução do Parlamento, assinada pelo Presidente da República a 5 de Dezembro passado: “O Governo não apresentou à Assembleia da República propostas de alteração legislativa uma vez que este órgão foi dissolvido”. Já o Executivo “não pode aprovar um decreto-lei sobre esta matéria (dado que a mesma se encontra abrangida pela reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República), nem pode ser autorizado a legislar por uma Assembleia dissolvida”.
Destinada a combater a corrupção, a lei 94/21 contempla alterações ao Código Penal, ao Código de Processo Penal e a leis conexas, tendo sido aprovada por unanimidade no Parlamento a 19 de Novembro de 2021, depois de um trabalho conjunto de PS e PSD para harmonizar propostas na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. A publicação em Diário da República deu-se a 21 de Dezembro.