A guerra na Ucrânia empurrou milhares de russos para fora do país

Revoltados com a invasão, receosos da repressão, com medo do impacto das sanções - ou tudo ao mesmo tempo -, muitos viram as costas à Rússia e encaminham-se aos países vizinhos. Na Geórgia são olhados com desconfiança.

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As lojas de marcas ocidentais fecharam em Moscovo e nas cidades russas EPA/YURI KOCHETKOV

Havia um nome a liderar as pesquisas no Google russo esta terça-feira à tarde. Era o de Lilia Gildeeva, uma pivô televisiva que de manhã anunciou que tinha abandonado a Rússia e pedido a demissão da NTV, onde trabalhava desde 2006.

Numa mensagem publicada por um blogger num canal de Telegram, a jornalista explicou que saiu do país e só depois se demitiu, pois tinha “medo que não a deixassem sair”. A NTV confirmou mais tarde que Gildeeva tinha deixado de trabalhar para a estação, que é detida por uma subsidiária da Gazprom. A pivô não revelou onde se encontra actualmente nem os motivos que levaram à sua saída.

Está longe de ser a única cidadã russa que deixou o país nas últimas semanas – ou que, pelo menos, pensou nisso. As pesquisas por “emigração”, “emigração para a Geórgia”, “taxa de câmbio do dólar” e “emigração para a Turquia” atingiram picos de popularidade no Google da Rússia.

E embora apenas haja estimativas, com base no que as autoridades de países vizinhos têm relatado, as pesquisas parecem corresponder a muitas saídas.

Turquia, Arménia, Geórgia, Cazaquistão, Quirguistão e Uzbequistão são alguns dos destinos escolhidos por quem optou por partir. Para alguns será apenas uma paragem provisória, uma forma de contornar a proibição de voar directamente da Rússia para outros países da Europa.

Para Istambul, escreve o The New York Times, rumaram “dezenas de milhares” de russos. Dispararam os preços dos voos para a cidade turca, mas também para a capital arménia, Erevan, e para o Dubai. “Um voo de ida para Istambul custou-me a mim e ao meu marido mais do que o nosso rendimento mensal combinado”, disse à BBC uma mulher chamada Anya, que não quis revelar o apelido.

Revoltados com a guerra na Ucrânia, receosos do aumento da repressão e de uma mobilização militar, com medo do impacto das sanções na economia do país e nas suas vidas – ou tudo isto ao mesmo tempo –, muitos russos que partiram dizem ter perdido a esperança no país. “Decidi ir-me embora porque a 24 de Fevereiro acordei sem pátria”, disse uma pessoa que não se quis identificar ao The Moscow Times. Ao mesmo jornal, Ilya Yaroshenko, de 26 anos, relata ter tomado a decisão de sair da Rússia depois de uma conversa telefónica com os pais. “Eles estavam a dizer que Putin tinha razão e que isto era só uma operação rápida para destruir os fascistas ucranianos. Isso fez-me perceber o quão lixado isto está.”

Senhorios da Geórgia fecham a porta

Muitos dos que abandonaram a Rússia nas últimas semanas são activistas, jornalistas, empreendedores de várias áreas, engenheiros informáticos ou publicitários, sobretudo jovens. “A longo prazo, a fuga de cérebros pode ser o maior problema para a Rússia”, disse Nikolai Roussanov, professor de Economia na Pensilvânia, ao Business Insider. Isto “vai obviamente ter consequências extremamente negativas no capital humano do país, que é o que gera crescimento através da inovação”, acrescentou.

“A única forma que temos de protestar é abandonar o país, levar as nossas capacidades e o dinheiro connosco”, disse uma pessoa à BBC. “Toda a gente no meu círculo [de conhecidos] tomou uma decisão semelhante.” Levar o dinheiro para fora da Rússia é uma dificuldade que acresce à proibição dos voos: desde o início de Março que as transferências para contas estrangeiras estão proibidas e os cartões de créditos russos emitidos pelas maiores empresas estão bloqueados fora do país.

Apesar de se apresentarem como opositores à guerra e a Vladimir Putin, os russos estão a ser olhados com desconfiança em alguns países e contam até estar a ser vítimas de insultos e discriminação.

Na Geórgia, cuja capital Tbilissi se tem enchido frequentemente de manifestações contra a invasão da Ucrânia e que também conheceu uma invasão russa em 2008, “85% dos senhorios recusam arrendar apartamentos a cidadãos russos e bielorrussos”, disse um agente imobiliário a um jornal económico local, BM. “Eles [russos] escrevem no fim dos e-mails que reconhecem que houve uma ocupação russa da Geórgia, a guerra na Ucrânia, a guerra na Geórgia. Pensam que assim funcionará, mas os proprietários recusam na mesma”, afirmou Vazha Mebaghishvili. Com a procura a aumentar e os preços também a subir, o presidente da Associação Georgiana de Imobiliário tem-se multiplicado em entrevistas na televisão para explicar aos proprietários os cuidados que devem ter no arrendamento de casas a estrangeiros.

O número de russos que chegou ao país desde o início da guerra na Ucrânia está na casa dos 25 mil, disse na semana passada o ministro da Economia. O Governo tem insistido que o fluxo é semelhante ao que se verificava antes da pandemia de covid-19 e denuncia que está em curso uma “campanha de desinformação para criar ansiedade”.

“Nós não apoiamos o nosso governo, parece-me óbvio porque fugimos”, disse uma cidadã russa à BBC. “Mas estamos a ser acossadas apenas por causa da nossa nacionalidade, tenho de esconder qual é o meu país de origem, não me sinto confortável quando as pessoas me perguntam de onde sou.”

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