Morte do videojornalista Brent Renaud (1971-2022) na Ucrânia: “Uma perda devastadora para o jornalismo”
O premiado autor de documentários norte-americano Brent Renaud, fellow da Nieman Foundation de Harvard em 2019, foi neste domingo morto pelas tropas russas. Tinha 51 anos e estava na Ucrânia a trabalhar num documentário sobre refugiados para a TIME Studios.
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O vídeojornalista e premiado autor de documentários norte-americano Brent Renaud, que aos 51 anos foi morto pelas forças russas este domingo em Irpin, nos arredores de Kiev, segundo o Ministério do Interior ucraniano, estava naquele país a trabalhar num documentário sobre refugiados que andava a fazer em vários locais do mundo para a TIME Studios, divulgou a revista norte-americana em comunicado.
Apesar de ter consigo um cartão do The New York Times que o identificava como “Press”, Cliff Levy, editor-adjunto deste jornal norte-americano divulgou no Twitter que se tratava de um cartão antigo e que Renaud não estava na Ucrânia em serviço para o diário.
Com Renaud estava o fotojornalista de origem colombiana Juan Arredondo, que foi ferido e transportado para o hospital Okhmatdyt. Ambos foram fellows da Nieman Foundation for Journalism da Universidade de Harvard, em 2019. A jornalista italiana Annalisa Camilli divulgou no Twitter um vídeo com este professor adjunto da Universidade de Columbia e fotojornalista premiado em 2018 pela World Press Photo a ser tratado no hospital e a explicar que estavam num carro quando foram atingidos por tiros.
Simon Ostrovsky, correspondente especial do PBS News Hour, escreveu no Twitter que o seu colega era “um cineasta sem paralelo”. Um dos amigos mais próximos de Renaud, o jornalista e também documentarista Christof Putzel, autor do podcast American Jihadi, disse à CNN norte-americana que Brent Renaud se meteu num avião para a Ucrânia no dia seguinte ao início da crise de refugiados, depois da invasão do país pela Rússia, a 24 de Fevereiro. O que os amigos sabem é que estava a trabalhar numa história de refugiados e que ambos os jornalistas tinham saído de Kiev para a Polónia.
“Uma perda devastadora para o jornalismo”, afirmou Christof Putzel no programa de Brian Steltern na CNN. Putzel e Renaud cobriram o acampamento de Wall Street, em 2011. Brent Renaud tinha “a habilidade de ir para qualquer lado, de chegar lá e conseguir histórias, tinha uma capacidade de ouvir e de comunicar às pessoas o que se estava a passar”, contou Putzel que trabalhou com ele, há dez anos, num filme premiado com o DuPont sobre contrabando de armas na fronteira com o México. “Quando recebemos o prémio, eu disse que a única coisa que ele tinha maior do que ‘os seus tomates’ era o seu coração. E continuo a dizê-lo”.
Brent Renaud tinha um Master of Arts pela Universidade de Columbia e dividia o seu tempo entre Nova Iorque e Little Rock, Arkansas, onde cresceu. Foi co-fundador do Arkansas Motion Picture Institute e director executivo e artístico do Little Rock Film Festival. Começou a sua carreira a fazer a cobertura dos atentados terroristas do 11 de Setembro e da guerra no Afeganistão. E na altura da sua bolsa Nieman, investigou o efeito dos traumas e das doenças mentais e emocionais nas taxas de pobreza e de violência nos Estados Unidos.
A jornalista ucraniada Myroslava Gongadze, que foi sua colega em Harvard, escreveu na sua conta de Twitter: “Brent era corajoso, sensível, inteligente. As suas histórias nas nossas aulas de escrita faziam-nos chorar. Isto é devastador.”
Com o seu irmão Craig Renaud criou a produtora Renaud Brothers. Cobria habitualmente cenários de guerra e de conflito e esteve também no Iraque, durante a luta por Mossul, no Haiti afectado pelo terramoto em 2010, na Primavera Árabe no Egipto e na Líbia, mas também fez reportagens sobre a violência nos cartéis da droga no México, sobre a crise dos jovens refugiados na América Central, a delinquência juvenil em Chicago ou o uso de drogas nas escolas norte-americanas.
Numa entrevista que os dois irmãos deram à revista de cinema independente Filmmaker, Brent Renaud contou que quando saiu da faculdade foi para o Camboja, às suas próprias custas, com apenas uma pequena câmara de vídeo digital que ele mal sabia usar. Mas foi levado a sério e conseguiu fazer entrevistas relevantes. “É importante quando se cobre conflitos entender-se a política local e saber quem são todos os actores envolvidos. Precisamos também de saber onde é relativamente seguro estar e quando”, explicou.
“No primeiro dia de filmagens, vi-me do lado errado da cidade com as pessoas erradas e quase morri quando o carro em que eu estava passou por um posto de controlo militar, atraindo fogo dos soldados. Noutra ocasião, subi para uma moto com um tradutor e entrei na selva para ir fazer uma entrevista com um camponês. O que eu não percebi foi que quem eu ia entrevistar morava numa aldeia ainda controlada pelos Khmer Vermelhos, os brutais rebeldes comunistas que foram responsáveis pela morte de um terço da população do país durante a década de 1970. As coisas correram tão mal que foi necessário um resgate militar – felizmente organizado por um general de quem eu tinha ficado amigo no início da viagem.”
Professor convidado do Centro de Ética da Escola de Jornalismo da Universidade do Arkansas em 2019, foi descrito na altura pelo presidente da escola, Larry Foley, como um jornalista com uma carreira “sólida e impactante”, que ao longo da sua carreira quis contar as histórias importantes que acontecem no mundo, muitas trágicas, mas todas sobre assuntos pertinentes e sobre os quais deveríamos ser informados.
Passava meses ou até anos a investigar os seus temas, queria produzir um trabalho jornalístico imersivo com impacto nas comunidades que retratava, como se lê no retrato disponível no site da Universidade do Arkansas. “A curta-metragem que fez em 2015 para o The New York Times, Beyond Borders, ajudou a trazer um outro nível de consciencialização sobre a crise dos jovens migrantes na América Central, e a sua longa-metragem premiada em 2018, Shelter, distribuída pela Vice Media, ajudou a arrecadar milhões de dólares para combater a crise dos jovens sem-abrigo em Nova Orleães”, escrevem no site.
Brent Renaud trabalhou principalmente com seu irmão Craig Renaud. Juntos fizeram para a HBO o documentário Dope Sick Love, sobre heroína, e também Little Rock Central: 50 Years Later. As ligações de Brent Renaud ao The New York Times datam de 2004, quando ele e o seu irmão realizaram o documentário em dez episódios Off to War, sobre uma unidade da Guarda Nacional enviada ao Iraque, para o Discovery Times Chanel, onde também passou Taking the Hill. Em 2015, receberam um prémio Peabody pela série Last Chance High, sobre uma escola terapêutica em Chicago que realizaram para a Vice News. E Fight for Chicago para a Al Jazeera America.
Na entrevista à Filmmaker, Brent Renaud contou que tinha feito recentemente um workshop com o repórter e escritor Sebastian Junger, que fundou o RISC -Reporters Instructed in Saving Colleagues. Explicava que muitas das técnicas ensinadas para o tratamento de traumatismos em cenário de guerra eram muito simples, mas que se fossem executadas correctamente num colega jornalista ferido, podiam dar-lhe aqueles minutos cruciais para lhe salvar a vida antes do transporte para o hospital. Brent Renaud não teve essa sorte quando foi atingido por uma bala no pescoço esta manhã.